Texto integral:
Ex.mo Senhor,
Compreendo o irresistível impulso que menos reflectidamente terá conduzido à solerte e artificiosa carta que tomou a iniciativa de me endereçar, uma vez que não visa – está bem de ver – apurar responsabilidades efectivas sobre o que se terá passado, nem esclarecer ou sequer resolver, nada que envolva o grave problema que todos, a mim e a si, apanhou de surpresa. Com efeito, quaisquer informações solicitadas estão todas disponíveis nos arquivos documentais dessa Junta de Freguesia que atestam a verificação e aprovação regular das contas da autarquia e foram também directamente por mim confirmadas em encontro que ambos realizámos no passado dia 6 de Março. Devo aliás sublinhar, que o seu ofício a que me reporto, foi por mim recebido apenas no passado dia 6 de Março, ao fim do dia, só após o encontro que mantivemos, não obstante ser datado de 1 de Março.
Estou certo que com a dignidade e a elevação que o cargo exige, o senhor Presidente, como é seu timbre, continuará a pautar a sua conduta preservando a imagem e o bom nome de um executivo pluripartidário (PCP/PS) que desempenhou exemplarmente as suas funções em prole da população do Beato e que ao longo do seu mandato deu sobejas provas de seriedade e honradez. Não estando pois aqui em causa nem a honestidade nem o bom nome do executivo cessante e do seu Presidente em particular, julgo ser útil deixar documentados, porque esclarecedores, os termos e o conteúdo essencial do encontro que a seu pedido realizámos no passado dia 6 de Março.
Assim:
1. Fui nessa ocasião confrontado com a informação de que nem a Caixa Geral de Aposentações (CGA) nem as Finanças haviam recebido, durante o período que medeia entre Fevereiro de 2003 e Fevereiro de 2006, os descontos efectuados por conta dos trabalhadores da Junta de Freguesia do Beato, inclusive os meus. Era essa aliás a razão pela qual, o meu pedido de aposentação, entregue logo após a recente transferência de mandato, se havia atrasado a ponto de ainda não haver obtido deferimento. Essa explicação resultava de uma carta da CGA, que me exibiu, endereçada a essa autarquia no início de Fevereiro passado e na qual se dava conta, de que, desde Fevereiro de 2003, não davam aí entrada quaisquer pagamentos dos descontos sobre remunerações.
2. As quantias envolvidas não estavam ainda completamente determinadas, nem havia ainda reclamação formal das entidades envolvidas.
3. A informação voluntariamente prestada pelo senhor Presidente da Junta, em exercício, constituiu para mim uma surpresa a todos os títulos desconcertante e inquietante.
4. Os períodos de tempo a que se reporta a falta das entregas, à CGA e às Finanças, dos descontos efectivamente realizados, corresponderão, ao que parece, ao tempo decorrido entre Fevereiro de 2003 e Outubro de 2005, e a um período indeterminado já do actual mandato, desde Novembro de 2005.
5. O assunto apenas foi despoletado não por eventual argúcia do actual executivo ou por falta dela do cessante executivo, mas exclusivamente por um ofício da Caixa Geral de Aposentações desencadeado pelo meu requerimento de aposentação. Foi logicamente o meu pedido de aposentação e o procedimento administrativo por ele causado que permitiu trazer à luz o que havia estado encoberto – sabemo-lo agora – desde Fevereiro de 2003.
6. Seja pelo método de verificação de contas seguido pelo anterior executivo, seja pelo mesmo método ou outro diferente seguido pelo executivo actual, o que é certo é que a fuga aos pagamentos devidos à CGA e às Finanças se registou em face de dois executivos autárquicos diferentes. A descoberta do sucedido não é sequer mérito de qualquer método inspectivo deste executivo, mas de um simples ofício da CGA. Tivesse mais cedo surgido semelhante oportunidade e mais cedo ainda se descobririam os montantes em falta.
7. Indagou o senhor Presidente na ocasião se eu estava na disposição de adiantar pessoalmente os meus descontos à CGA, suportando-os directamente. Respondi que não só não possuo tal quantia como não me era devido pagar o que já havia pago, ou seja, algo que já me fora descontado em vencimentos passados. A dívida à CGA, a existir, não era minha mas da entidade que reteve esses descontos, logo a Junta de Freguesia.
8. Fui informado que a Junta de Freguesia iria tentar negociar o pagamento faseado dessa dívida com a Caixa Geral de Aposentações. Referiu também que iria dar prioridade à dívida contraída com as Finanças.
9. Sugeri ao senhor Presidente que deveria ser então realizada uma auditoria externa e independente às contas da autarquia e que a confirmar-se qualquer irregularidade deveria dar-se dela imediata participação ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP).
10. Ouvi como resposta que não tinha a Junta de Freguesia dinheiro para pagar tal auditoria externa e que estava, por isso, a proceder a uma auditoria a título próprio.
11. Fui informado que o funcionário da Junta que procedia à contabilidade e era responsável pelos pagamentos fora suspenso no âmbito de um processo disciplinar.
Já depois do encontro que realizámos, e a partir do dia 9 de Março, surgiram notícias em diversos órgãos de informação relativamente a este assunto. Essas notícias, certamente veiculadas por responsáveis dessa Junta de Freguesia, adiantavam outros pormenores que não me haviam sido transmitidos naquela ocasião e avolumavam mais a dimensão da irregularidade detectada, envolvendo agora não só a CGA e as Finanças, mas também a Segurança Social e a ADSE. Falava-se aí também em determinados montantes, bem como se faziam alvitres infundados a meu respeito e se teciam comentários desagradáveis e talvez precipitados, tendo em vista que não há lugar, para já, nem a uma auditoria externa e independente às contas, nem ao inquérito policial ou judicial correspondente.
Pelas razões aduzidas e apenas intuindo que há já matéria que merece cabal e inteiro esclarecimento, tomaram três elementos do executivo anterior, afectos ao PCP, a iniciativa de fazer participação ao Ministério Público com vista a desencadear a competente investigação.
O executivo cessante da Junta de Freguesia do Beato, era constituído, como sabe, por cinco elementos, sendo três do PCP e dois pertencentes ao PS, sob a minha presidência. Todo o executivo, como vai bem de ver, acompanhou regularmente a prestação de contas e a situação financeira da autarquia. A Assembleia de Freguesia aprovou sempre, e por unanimidade, a prestação de contas que lhe foi submetida para apreciar e votar. Isso mesmo aconteceu no respeitante ao exercício financeiro de 2003 e 2004. Atrasos de registo em contabilidade verificados no final do meu mandato, são do domínio público e do conhecimento do executivo a que preside, e devem-se exclusivamente a atrasos nas transferências já vencidas em favor da Junta e nada têm que ver com a situação ora criada.
Assim sendo, insto o senhor Presidente a proceder, quanto antes, a uma verificação independente e qualificada das contas transactas e bem assim, em face das notícias publicadas, a uma participação junto do Ministério Público.
Manterei, como até aqui, um recíproco relacionamento de cordialidade e elevação com o senhor Presidente da Junta de Freguesia, oferecendo-me para colaborar inteiramente quer no quadro do apuramento legal de responsabilidades quer aguardando serenamente o resultado do inquérito imparcial e rigoroso que seguramente será promovido e levado a bom termo pelas entidades próprias.
Penso que não só não estamos em época de campanha eleitoral – essa já passou – como não promoveremos artificiais ajustes de contas políticos, que apenas serviriam para ofuscar as verdadeiras e efectivas responsabilidades. Creio convergirmos num esforço de verdade e não de ocultação, involuntária mas objectiva, das responsabilidades concretas a apurar. Creia-me por isso interessado, como o executivo dessa junta certamente também está, em apurar rapidamente responsabilidades de natureza criminal ou civil o que só poderá acontecer, em última instância, através dos meios previstos na lei e ao alcance dos tribunais.
Com respeitosos cumprimentos, (segue assinatura).
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