Sunday, April 15, 2007

OS AZULEJOS DA ESTAÇÃO DA LOUSÃ

Protocolo com a REFER é preciso!

Uma estranha coincidência: tinha inserido aqui uma nota sobre azulejos da Estação da CP na Lousã e eis que o meu amigo Feliciano David, engenheiro, dedicado a estas coisas da azulejaria e deputado municipal do PCP na Assembleia Municipal de Lisboa, me envia ontem um muito simpático mail com esta nota: ele mesmo tinha ido à Lousã falar sobre estas coisas. E enviou-me o texto da sua alocução lá no próprio local do crime... Coincidência! O que é estranho é que nunca falámos deste assunto!
Eis o texto da referida intervenção:

«Antes de abordar o tema dos painéis de azulejo do átrio desta Estação julgo útil fazer o seu enquadramento temporal no contexto da azulejaria portuguesa, através de uma brevíssima resenha da sua evolução histórica.
O azulejo tem origem na civilização árabe e foi introduzido na península ibérica no século XIV através do norte de África, começando a ser produzido primeiro em Granada e em Sevilha. Muitos desses azulejos entram em Portugal no século XV, sendo
desse tempo os azulejos ditos hispano-árabes que ainda se encontram, por exemplo, na Sé Velha em Coimbra e no Palácio Nacional de Sintra.
Os primeiros azulejos fabricados em Portugal foram produzidos na segunda metade do século XVI.
A partir de então iniciam-se quase cinco séculos de história do azulejo em Portugal, já que este nunca deixou de estar presente como elemento decorativo nos mais diversos locais de norte a sul do país, acompanhando todas as tendências artísticas ao longo do tempo.
De facto, o azulejo e a talha são as expressões artísticas que mais se desenvolveram e que adquiriram maior importância em Portugal, particularmente no século XVII e primeira metade do século XVIII, destinados sobretudo aos edifícios religiosos e aos grandes palácios.
Depois do terramoto de 1755 o azulejo democratiza-se e entra nas casas de habitação não nobres, sobretudo em Lisboa, após o início da laboração da Fábrica do Rato. Na segunda metade do século XIX, surge como revestimento das fachadas dos prédios, tendo passado a serem utilizadas técnicas semi-industriais no seu fabrico.
No século XX assiste-se a um total predomínio do azulejo industrial, tal como hoje o conhecemos.
Ainda antes de falar sobre os painéis da Estação afigura-se igualmente pertinente fazer uma breve referência à azulejaria da Lousã que conheço apenas parcialmente, porque ignoro a extensão do património azulejar do resto do Concelho. Mas a Vila, por si só, possui um acervo digno de nota, que abrange um período de mais de três séculos. Património que urge inventariar, estudar, preservar e divulgar, num projecto que deve abranger todas as freguesias e que cabe à Câmara promover.
Saliento, especialmente, um frontal de altar de 7x12 azulejos, existente na Capela de Nossa Senhora da Piedade, junto ao Castelo. Segundo Santos Simões, trata-se de um dos mais belos frontais portugueses e datará de 1666. É do tipo “ramagens”, está completo com a sua renda em cantoneira, tendo ao centro do pano um medalhão com o cordeiro místico.
No interior de algumas casas nobres existem exemplares de painéis do século XIX e eventualmente até do século XVIII.
Do século XX, são de referir dois frisos notáveis de inspiração Arte Nova colocados na fachada de uma vivenda.
De meados deste século são ainda alguns painéis figurados em jardins de casas de habitação, provenientes da Fábrica Aleluia, de Aveiro; o Palácio dos Salazares estava decorado com silhares de azulejos de padrão da Fábrica Lusitânia de Coimbra.
Também o edifício da Câmara possui no átrio azulejos de padrão e no exterior painéis ornamentais revivalistas da Fábrica Santana, alguns dos quais se encontram lamentavelmente degradados a exigir uma intervenção urgente de restauro.
Por último refira-se o conjunto de painéis que a Câmara fez colocar junto a um local nobre da Vila, o Parque Carlos Reis, numa homenagem ao passado, à cultura e às gentes da Lousã.
E agora, sim, entro no tema dos painéis da Estação.
A partir da segunda década do século XX, o azulejo passou a ocupar também um lugar de destaque nas estações de caminho de ferro.
E foi precisamente o autor dos azulejos desta estação, Jorge Colaço, que em 1905 propôs pela primeira vez que uma estação de caminhos-de-ferro fosse decorada com azulejos.
Tratou-se de um projecto destinado ao átrio da Estação de São Bento, no Porto, que só foi concretizado em 1922.
Esse admirável revestimento cerâmico, produzido na Fábrica de Sacavém, é considerado um dos melhores exemplos de integração do azulejo em edifícios ferroviários.
A azulejaria da CP, encontra-se dispersa por todo o país, constituindo um acervo imenso e variado, de grande riqueza e heterogeneidade.
As primeiras estações decoradas com azulejos localizam-se no norte do país, nomeadamente, na Granja (1914), Aveiro e Ovar (1915), pintados por Licínio Pinto, e executados na Fábrica Fonte Nova de Aveiro.
São mais de 50 as estações decoradas com cerca de 600 painéis historiados, realizados num período relativamente curto, de pouco mais de três décadas.
Os temas bastante diversificados, integram-se, por vezes, no discurso nacionalista do Estado Novo com claro gosto tipicista, ou através de um naturalismo descritivo, ou mesmo hiper realista sob a forma de bilhetes postais ilustrados que divulgavam as belezas paisagísticas, os monumentos ou as actividades típicas das regiões onde se situavam as estações.
Muitos dos painéis assumem expressão revivalista do século XVIII, recorrendo à gramática barroca, rocaille ou neoclássica.
Os azulejos de 32 estações foram produzidos nas fábricas de Lisboa (Constância, Santana, Viúva Lamego, Sacavém, Lusitânia) de doze nas fábricas de Aveiro (Fonte Nova, Aleluia) e de quatro nas do Porto.
Jorge Colaço, nascido em 1865, foi o pintor que mais estações decorou, seguido de Gilberto Renda, Licínio Pinto e Battistini.
Era um pintor académico com uma excelente formação artística tendo frequentado a Escola de Belas Artes em Lisboa e estudado pintura em Madrid e Paris. Foi o fundador e primeiro Presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes
Revelou-se um exímio desenhador, tendo-se destacado na caricatura e na pintura a óleo, mas foi na azulejaria, que mais se notabilizou, sendo considerado o maior pintor de azulejos da primeira metade do século XX.
Trabalhou na Fábrica de Sacavém, até 1922, e entre 1924 e 1940 na Fábrica Lusitânia, até dois anos antes da sua morte.
J. Colaço dedicou grande atenção aos temas épicos da história de Portugal tendo pintado 124 composições. Deixou uma vasta obra quer a nível internacional quer no país onde se destacam, nomeadamente, os conjuntos azulejares do Hotel do Buçaco, do Pavilhão dos Desportos e da Casa do Alentejo em Lisboa e do Palácio da Justiça de Coimbra.
Decorou as estações de caminho de ferro de São Bento, Vila Franca de Xira, Marvão, Castelo de Vide, Évora, Beja, Abrunhosa e Lousã.
Para esta estação pintou 8 painéis, que foram produzidos na Fábrica Lusitânia, tendo privilegiado temas turísticos com motivos alusivos à Vila da Lousã - uma vista panorâmica da Lousã, o Parque Carlos Reis, a Senhora da Piedade, o Castelo de Arouce, a Capela da Misericórdia, o Palácio dos Salazares, as instalações da Fábrica do Papel do Prado e uma paisagem do Rio Ceira.
Nesses tempos, muitos dos visitantes viajavam ainda de comboio sendo a estação a principal porta de entrada da Vila, que nos anos trinta e quarenta integrava uma zona turística muito atractiva com edifícios e locais de grande beleza.
Os painéis da estação constituíam-se, assim, como uma forma de acolhimento ao visitante e davam uma antevisão dos principais locais de interesse a visitar.
Estes painéis pintados a azul estão enquadrados por belas molduras policromas com motivos vegetalistas em que predomina a cor verde circundada por um filete ocre e encimadas por um medalhão.
Estes painéis constituem sem dúvida um valioso património artístico da Lousã que urge preservar. Mas infelizmente isso não tem acontecido e alguns deles encontram-se em adiantado estado de degradação, que em breve tornará difícil a sua recuperação.
Por isso, daqui apelo à Câmara para seguir o exemplo de outros municípios, que em idênticas circunstâncias, celebraram protocolos com a REFER e salvaram da ruína muitos painéis deste rico património azulejar ferroviário.
A Lousã e os lousanenses merecem a protecção e defesa do seu património artístico e cultural.
E a propósito refira-se um conjunto de três azulejos, datados de 1944, que numa Rua da Lousã, nos transmite a seguinte mensagem:


AOS LOUSANENSES E VISITANTES
Tudo quanto aqui se vê arruado, arborizado e cuidado, foi feito para vos acolher, proporcionar repouso sereno e momentos aprazíveis, no convívio com a Natureza grandiosa.
Velai pela sua conservação, limpeza e aperfeiçoamento.»

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