Saturday, August 25, 2007

O homem que acertava no tempo que ia fazer em todo o ano

O ti’ Antonho Palo (maneira como o povo chamava a António Paulo) tinha vindo da tropa e já tinha filhos. Servia como pastor em Gralhais, uma quinta famosa das proximidades da minha aldeia (era mesmo assim que se dizia: «Estava lá a servir», era lá «criado», empregado).
Tinha um dom raro: sabia sempre o tempo que ia fazer «amanhã». A ti’ Mari’ de Jesus, a patroa, para ele:
- O ti’ Antonho, então e amanhã, como é que vai estar o tempo? – perguntava ela num qualquer dia de Abril, por exemplo.
E o interpelado:
- Amanhãe (não é erro meu: dizia-se assim mesmo: «amanhãe»), faz sol de manhã, mas vamos ter vento e uma chuvinha lá para o meio da tarde – e pronto, era mesmo assim que acabava por acontecer: chuva de manhã, vento e uns chuviscos de tarde.
A coisa repetia-se e repetia-se e o homem ganhou fama de quase técnico de meteorologia…
Mas a coisa mais interessante é saber-se como é que o ti’ Antonho Palo sabia isso. Era uma coisa meio popular meio científica. É assim que funciona: Agosto é o segredo. Melhor, o tempo que faz nos primeiros dias de Agosto, fora o dia 1. Explico: o primeiro dia de Agosto não conta: «O primeiro tira-o para ele», ou seja: o dia 1 não conta para esta ciência. Depois, consoante cada um dos 12 dias seguinte decorrem em termos de tempo atmosférico é que vão estar os 12 meses do ano seguinte. Cada dia, um mês. O dia 2 corresponde a Janeiro, o dia 3 a Fevereiro e assim por diante.
Mas com muito rigor: consoante vão passando as horas do dia, assim vai decorrer, passo a passo, o mês correspondente: a manhã é a primeira quinzena, a primeira hora são os primeiros dias etc.. Uma ciência. O que nunca perceberei é como é que o homem fixava tudo, um pastor, hora a hora, durante doze dias e depois debitava tudo ao longo do ano…
Chamava(va)-se a isto «os dias do governo». Não do Governo da Nação. Não. Do governo, da orientação, das pessoas...
Um dia perguntei à minha mãe, que tinha acompanhado esses tempos (a minha avó, junto com a sua irmã, a ti’ Mari’ de Jesus, eram as patroas do ti’ Antonho Palo nessa época) – perguntei à minha mãe:
- Ó mãe, então e o homem acertava?
- Oh. Às vezes acertava.
- Ora bolas – respondi-lhe eu. – Isso também eu faço. Se me perguntarem, talvez acerte de vez em quando!
Mas a minha mãe não achou grande piada à piada, porque a crença geral é que o homem era mesmo bom naquela coisa…

Nota final
Este ti’ Antonho Palo era o mesmo que esmagava os ouriços com os pés descalços. Parece mentira mas não é. Segundo me contam, os primeiros sapatos que alguma vez calçou foram as botas da tropa (foi para a Marinha e julgo que terá ido para a Primeira Guerra). Isso queria dizer que andou nada menos do que 20 anos descalço. Era tal a dureza da pele, que «britava» os ouriços com os pés. Os ouriços são os invólucros das castanhas e como se sabe estão protegidos de picos agressivos. Imaginem a situação: o homem a pisar em cima daquela coisa e as castanhas a saltarem.

No comments: