Thursday, August 23, 2007

Falemos então de Orçamento Participativo! Mas a sério!

Na quarta-feira, ontem, na sessão da Câmara de Lisboa, o BE apresentou e o PCP votou contra uma proposta que fala de Orçamento Participativo. A votação do PCP, um partido que integra a CDU, CDU que pratica este modelo nas câmaras, poderá parecer estranha. Mas não é.
Vamos por partes.

Mais do que falar do objectivo consensual de instituir a participação, temos de falar da proposta concreta, que foi o que esteve à votação...

A primeira afirmação clara que deve ser feita é esta: a proposta, tal como foi apresentada, consubstancia uma clara tentativa de instrumentalização da Câmara de Lisboa. Não aporta nada de concreto nem de aproveitável em termos de democracia participativa. É uma mera declaração política de intenções do Bloco de Esquerda. E era como tal que devia ter sido levada à sessão: uma declaração política feita no período de antes da ordem dos trabalhos. Isso sim, seria politicamente honesto. Mas como se tratava formalmente de uma «proposta», apesar de completamente vaga e inoperativa, é natural que os vereadores do PCP tenham votado contra.
O que é que eu penso deste episódio? Vamos por partes, também aqui.

I
Os considerandos

Câmaras da CDU como por exemplo Palmela, Seixal, Sesimbra e outras já praticam esta modalidade de intervenção das populações.

As experiências da América Latina, muito respeitáveis, não podem ser copiadas para Portugal. E muito menos para Lisboa. As realidades sócio-políticas e económicas a que umas e outras dizem respeito são tão diferentes que a única coisa que se pode aproveitar de Belo Horizonte ou de Porto Alegre – que bem conhecemos – é a própria ideia de participação.
Há em Portugal há 33 anos uma extensa história de crescente democracia cada vez mais estabilizada e diversificadíssimas experiências de intervenção operativa das populações – as quais experiências de modo algum podem ou devem ser passadas para as costas como se não existissem.
Há mecanismos de participação específicos do Orçamento Participativo a estudar e a adaptar daquilo que já se faz noutras paragens do nosso País.
Há momentos a respeitar para que se possa fazer um trabalho sério. Por exemplo: Sesimbra, este ano, ano 1 do Orçamento Participativo, começou em Maio – e os eleitos daquele concelho sabem que não foi cedo… (e não o quis fazer se não agora para que o resultado seja sério).
No caso de Palmela – que já em 2004 elegeu um Conselho do Orçamento Participativo – vai-se já em vários anos de aperfeiçoamento e a experiência é riquíssima.
No Seixal, a participação sectorial já se faz há muito.
Na Amadora, muito antes das experiências da América Latina, já se auscultavam as populações para darem indicadores aos eleitos locais a fim de se poder articular o projecto municipal e os anseios locais.
Estas quatro experiências são riquíssimas e não se pode simplesmente fazer de conta que não existem ou simplesmente fazer «copy-paste» sobre o que se tem feito na América Latina e querer aplicar isso em Lisba – do que resultaria uma frustração das expectativas dos lisboetas.
Mas há mais um dado essencial no caso. Ninguém pode esperar que se dê cobertura através de iniciativas respeitáveis a objectivos de camuflagem difusa. Quem aprovar o Orçamento de 2008, aprove. Mas sem camuflagens de qualquer tipo.

II
Quanto à matéria de deliberação, a proposta propriamente dita

1º - A ideia e a prática de Orçamento Participativo é óptima e as câmaras CDU praticam-nas há anos: Palmela, Seixal, Sesimbra… são belos exemplos. Mas fazem-no com seriedade, sem enganar as populações com qualquer coisa como se não se tratasse de assunto importante: a participação. Ora a proposta concreta que está em cima da mesa fere todos os parâmetros de trabalho honesto para com os lisboetas.

2º - Há vários pontos na proposta concreta que dão a medida desta falta de seriedade intrínseca: importou aos autores da proposta propor qualquer coisa para marcar agenda. Foi preciso ter muita coragem política e muita autoridade moral (derivada da prática da CDU por esse País fora, o que não pode deixar dúvidas quanto ao empenho na participação)para votar contra isso.

3º - Eis os pontos concretos postos à votação:

A) «Elaborar, num prazo de seis meses, uma proposta definindo uma estratégia para atingir, de forma progressiva, uma prática real de Orçamento Participativo».
A Câmara a deliberar que a Câmara elabore uma proposta? Isto é mera redundância para empatar e tentar marcar a agenda mediática. Nada de concreto, nada de aproveitável. Apenas intenção de intenções. Coisa mais vaga não há. A Câmara não deve servir para isso: deliberar que a Câmara elabore uma proposta. É notório o desconforto que um tal item provoca em quem o lê com mais atenção – e, pior ainda, também em quem o votou favoravelmente por causa da temática forte a que se refere, não me custa a crer.

B) «Promover, num prazo de três meses, uma proposta para a criação do Conselho Participativo da cidade».
Provavelmente está-se aqui a querer dizer «Conselho do Orçamento participativo», como existe em Palmela ou Sesimbra, por exemplo. Mas nem isso lá está. Parece que houve aqui muito pouco trabalho e em cima do joelho.

C) (…) «que sejam divulgadas e submetidas à consideração dos munícipes e das diversas entidades com presença na cidade, propostas das Grandes Opções do Plano, do Plano Plurianual de Investimentos e do Orçamento para 2008».
Isto então é um equívoco total, desulpem a expressão:
a) Os munícipes iriam pronunciar-se sobre que proposta? A dos Serviços? A dos vereadores com pelouros? E o que é que iria a deliberação na CML?
b) Estamos num ano atípico, com eleições em Agosto, sem que até agora haja horizonte temporal para se ter uma proposta de qualquer dos 3 documentos acima referidos…
c) Não haverá tempo para um trabalho sério de divulgação «dos munícipes e das diversas entidades com presença na cidade».
Se o PCP votasse a favor disto, estaria a dar cobertura ao referido equívoco, para ser eufemístico (que me desculpem as pessoas que de certeza com a melhor das intenções votaram a favor, mas é assim que eu vejo a questão). Faço notar que estamos a falar dos instrumentos de gestão já para 2008!

D) O resto da proposta deliberativa são dois folhetos e um relatório, um resumo na net, uma reunião de juntas de freguesia (!) e outra de algo aqui chamado «organizações da sociedade civil» - só associações são perto de 500!
É uma meta manifestamente pobre para uma iniciativa política de tão ambicioso quadro. Pobre e mesmo assim impossível de concretizar com eficácia mínima, dado o adiantado do ano…
Conclusão: esta foi a melhor maneira de matar à nascença ou pelo menos inquinar uma ideia que, além de boa, é indispensável que seja concretizada e que deve ser levada à prática com seriedade. Há pois que avançar com algo de viável para o próximo ano, e começar cedo.

Nota final
Para Sesimbra recomendo estas leituras: pág. 6 do BM local de Maio passado e esta notícia no JN.

2 comments:

Anonymous said...

Nao seria melhor em vez de escrever tanto dizer que o PCP (perdao a CDU) votou contra porque a proposta é do Bloco?.

José Carlos Mendes said...

Não, porque isso nem seria verdade nem seria mais do que uma idiotice. Esse pensamento é uma idiotice: quantas vezes o PCP já votou coisas do BE na CML e vice-versa?
Se desta vez assim não é porque há uma diferença substancial.
Aliás, se fosse há uns meses, a redacção desta proposta teria sido bem mais cuidada e vinculativa, de certeza...