Saturday, September 20, 2008

Compensa, pois...

Câmara cedeu terreno que foi vendido por dez vezes mais
20.09.2008, José António Cerejo - Público

A venda é justificada pela AECOPS com o facto de a autarquia ter levado 15 anos a aprovar projecto da sede que já não quer construir
Um terreno vendido pela Câmara de Lisboa a uma associação empresarial, apenas para que ali fosse construída a sua sede, foi vendido 18 anos depois, para fazer escritórios, por quase dez vezes o preço total da compra. O município levou 15 anos a aprovar o projecto, mas ao longo desse tempo a parcela cedida cresceu significativamente, a área de construção autorizada quase que duplicou e a câmara teve de contornar o Plano Director Municipal (PDM) para satisfazer os seus compromissos. A associação queixa-se de que foi obrigada a fazer três projectos devido às sucessivas alterações dos planos camarários e diz que quando o último foi aprovado já não se justificava fazer a sede projectada.Foi em 1989 que a câmara decidiu vender à Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS), em condições especiais, um lote situado na ligação da Rua de Campolide à Av. José Malhoa, frente às actuais Twin Towers. A proposta aprovada pelo executivo de Kruz Abecasis justificava o "apoio" municipal à associação com "os objectivos da AECOPS" e com "o trabalho por ela já desenvolvido, em Portugal e no estrangeiro, no interesse de um sector vital para a economia portuguesa". A cedência surgia assim no âmbito de uma política camarária de apoio às mais variadas entidades sem fim lucrativo, que ainda hoje se mantém sem regras nem critérios, e que assenta na disponibilização de terrenos ou imóveis para as suas instalações.O lote tinha 896 m2 e foi vendido por 69 mil contos (perto de 345.000 euros). As condições definidas na escritura apontavam para a construção de um máximo de 2760 m2 acima do solo e estabeleciam que, em caso de ser autorizada uma área superior, a associação teria de compensar financeiramente o município. Área de construção duplicaLogo em Janeiro de 1991, a AECOPS apresentou um projecto de sede que previa não 2760, mas sim 3339 m2 acima do solo, em cinco pisos, além de três pisos de estacionamento em subsolo. A elaboração do PDM, entretanto iniciada, levou, já em 1993, a que esse projecto fosse arquivado. O plano determinava a passagem de uma rua pelo local e tornava-se necessário encontrar um espaço alternativo. A solução foi a permuta do lote original por um outro vizinho, de 1018 m2. Não só a área do terreno crescia, como a sua capacidade de construção acima do solo quase que duplicava, passando para 5318 m2.Nos termos da escritura de permuta celebrada em 1996, já com João Soares na presidência da câmara, a associação, todavia, nada mais teve a pagar. Isto porque o município atribuiu aos lotes permutados o mesmo valor de 69.000 contos. Esta equiparação dos valores, afirma a AECOPS num memorando que facultou ao PÚBLICO, teve origem no facto de ela própria não pretender uma área superior, sendo antes a câmara que entendeu dá-la, por forma a uniformizar as alturas dos edifícios da zona. Em contrapartida, a escritura estabeleceu que "no caso de a AECOPS vir a dar aproveitamento económico alheio ao seu objecto, nomeadamente a alienação a título oneroso ou o arrendamento comercial, haverá lugar a acerto de preço". O método estipulado para esse acerto foi o do pagamento ao município de um valor actualizável de 50 contos (250 euros) por cada um dos 2558 m2 que o novo lote permitia construir a mais. Entre a escritura inicial e esta desapareceu, assim, a obrigação automática de compensar a câmara em caso de autorização de uma área superior, em favor da sujeição do pagamento dessa compensação à venda ou arrendamento do imóvel a construir.No ano seguinte, de acordo com o memorando citado, a associação mandou fazer um segundo projecto, adequado ao novo lote, mas não chegou a entregá-lo. Motivo: a câmara estava mais uma vez a rever as suas intenções para o local. Retomadas as negociações, a autarquia comprometeu-se em 2000 a ceder duas parcelas anexas, que compensariam a perda de uma parte do lote que já pertencia à associação, mantendo-se os direitos de construção adquiridos.Projecto viola o PDMEntregue no fim de 2000, o terceiro projecto, adaptado à nova implantação, acabou por ser objecto de uma proposta de indeferimento dos serviços camarários, em 2002, atendendo a que não cumpria o PDM, nem os índices de construção entretanto aprovados. Além de exceder em 639 m2 a área de construção permitida e exigir a aquisição de mais 184 m2 ao município, a projectada construção de seis pisos tinha um problema: destinava-se integralmente a escritórios, enquanto o alvará de loteamento da zona, aprovado em 1999, impunha cinco pisos de habitação e apenas autorizava escritórios no rés-de-chão.Relançada a confusão, a vereadora Eduarda Napoleão, já no mandato de Santana Lopes, dá o seu acordo ao princípio de que "a responsabilidade pela não correspondência do projecto com as condições constantes do alvará de loteamento e do PDM não compete à requerente, mas à câmara", pelo que o indeferimento foi recusado e os serviços encarregues de resolver o imbróglio. O princípio da solução surgiu em 2003, mediante a aprovação camarária de uma nova proposta de permuta de parcelas no mesmo local e de venda, por 115 mil euros, de uma faixa municipal contígua, com 404 m2, destinada a estacionamento subterrâneo, por forma a que se encaixassem no terreno as áreas de construção pretendidas. Com a escritura que concretizou esta proposta, já em 2005, a AECOPS ficou com 1539 m2 de terra - 404 dos quais têm de deixar passar peões à superfície -, pelos quais pagou um total de 460 mil euros. Quanto ao uso do edifício e às discrepâncias entre o alvará e o tamanho dos lotes, o impasse foi vencido por um aditamento ao alvará assinado por Carmona Rodrigues também em 2003. Nesse ano ficou finalmente aberta a porta para a construção da sede da associação, com seis pisos de escritórios acima do solo (5337 m2 de construção) e quatro abaixo, um para arquivo e três para estacionamento. O projecto foi aprovado por Eduarda Napoleão em Novembro de 2004 e o licenciamento final da sede da AECOPS coube a Gabriela Seara, em Dezembro de 2005. As obras começaram no terreno durante este Verão, mas o edifíco já não vai ser para a sede da associação empresarial: o terreno foi vendido em Maio à imobiliária Campolide XXI pelo preço de 4,510 milhões de euros.

4,510
Milhões de euros foi o valor da venda do terreno da AECOPS à imobiliária Campolide XXI. Parte dele foi adquirido há 18 anos à câmara por 345 mil euros e a outra parte há quatro anos por mais 115 mil

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