Grupo Parlamentar do PCP reclama
Apreciação Parlamentar n.º 97/X - Terminal portuário de Alcântara
Quarta, 22 Outubro 2008
O terminal portuário de Alcântara assume um papel de inegável importância, quer sob o ponto de vista do transporte de mercadorias a nível nacional, quer no contexto da operação comercial do Porto de Lisboa.
Do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro que altera as bases da concessão do terminal portuário de Alcântara
(publicado em Diário da República, I Série, n.º 184, de 23 de Setembro de 2008)
O terminal portuário de Alcântara assume um papel de inegável importância, quer sob o ponto de vista do transporte de mercadorias a nível nacional, quer no contexto da operação comercial do Porto de Lisboa.
Foi o Governo de "bloco central" Mário Soares/Mota Pinto que aprovou o Decreto-Lei n.º 287/84, de 23 de Agosto, determinando as bases da concessão da exploração desta infra-estrutura portuária a uma empresa privada. Numa opção profundamente lesiva para o interesse nacional - mas benéfica para interesses privados no sector - iniciou-se assim, em 1984, a privatização da gestão deste terminal.
O actual Governo PS/Sócrates vem agora acentuar e aprofundar essa política de submissão aos interesses dos grupos económicos, com uma "negociação" com a empresa concessionária que resultou na alteração das bases da referida concessão, através do Decreto-Lei agora em apreço.
Estamos perante um diploma que determina a "prorrogação" do prazo de vigência da concessão do terminal para o dia 31 de Dezembro de 2042. Com esta medida o Governo coloca, a uma concessão portuária com esta dimensão e importância, um prazo que se "renova" em mais de 27 anos, sem qualquer concurso público, resultando assim num período total de (pelo menos!) 57 anos, em que se entrega a uma única empresa privada a actividade de carga contentorizada do Porto de Lisboa. Mesmo a possibilidade de resgate da concessão pelo Estado, justificável por motivos de interesse público, fica expressamente proibida até ao dia 5 de Maio de 2025.
Com este Decreto-Lei, a empresa concessionária, para além de garantir a continuidade ao longo de todo esse tempo do domínio sobre o terminal de Alcântara, fica ainda isenta de taxas, nomeadamente de taxas de utilização de instalações portuárias e de taxas de operação (movimentação de contentores), com a agravante de serem definidos termos de isenção que remetem para um «modelo financeiro utilizado» completamente desconhecido.
O Decreto-Lei em questão vem determinar, aliás, um conjunto muito relevante de alterações ao regime da concessão do terminal portuário de Alcântara, em termos profundamente vagos e genéricos, sem concretizar nem definir, remetendo aspectos determinantes para o próprio contrato.
Assim acontece, nomeadamente, com o cálculo da indemnização a pagar em caso de resgate da concessão - que simplesmente se afirma no Decreto-Lei «a definir no contrato de concessão». O mesmo sucede com os termos da notificação obrigatória «às entidades financiadoras» em caso de resolução sancionatória da concessão.
Outro exemplo, particularmente grave, é a autorização expressa à APL para outorgar um aditamento ao contrato de concessão, «com respeito pelas alterações introduzidas pelo presente decreto-lei, na redacção das respectivas bases, sem prejuízo de outras alterações acordadas entre as partes que não contrariem as mesmas». O que significa liberdade total para alterar o contrato de concessão, em tudo o que este Decreto-Lei for omisso.
Estamos perante um processo de contornos politicamente graves, com uma falta de transparência inaceitável, num negócio que (mais que "esclarecer") urge interromper. As decisões que este Decreto-Lei consagra vêm suscitar incontornáveis preocupações mesmo ao nível da ética política.
O Governo, em comunicado difundido pelo MOPTC a 7-10-2008, procurou justificar este processo com a suposta «saturação iminente» do terminal de contentores de Alcântara, e com a suposta urgência de «aumentar a capacidade de resposta do País à crescente procura de transporte marítimo».
No entanto, no mesmo parágrafo do comunicado, afirma o Governo que «já após o anúncio das obras de alargamento, o Porto de Lisboa e a empresa concessionária conseguiram captar para Lisboa, em detrimento dos portos espanhóis, uma nova linha regular de contentores (...)» - o que só pode significar que ou (1) o terminal não estava em saturação iminente e podia captar novas linhas regulares de contentores, ou (2) a nova linha regular de contentores é anunciada agora para entrar em funcionamento em 2014, ou (3) a saturação iminente foi resolvida... com um anúncio de obras.
O mais provável é estarmos perante a primeira hipótese, já que, de resto, segundo o Relatório de 2007 da APL, a movimentação de contentores em Alcântara cifrou-se em 237.768 TEU, o que significa uma capacidade excedentária superior a 30%. Aliás, a «capacidade de resposta do País à crescente procura de transporte marítimo» que tanto parece preocupar o Governo deve ser vista de uma forma integrada e em rede, considerando-se necessariamente a capacidade de Portos como Setúbal ou Sines.
Não podemos escamotear que o modelo de estratégia económica preconizado pelo Governo para o país e para este sector, e aplicado também com este decreto-lei, é insustentável e profundamente contrário ao interesse nacional.
Estamos perante uma política que compromete o futuro, num sector de actividade que assume um carácter estratégico e determinante para o desenvolvimento económico e mesmo para a soberania nacional. Ao invés de apontar uma visão estratégica, integrada e articulada para todo o sector marítimo e portuário nacional, o Governo prossegue uma política de segmentação, descoordenação e concorrência mútua para os portos nacionais - de que esta opção é um exemplo particularmente evidente, pela negativa, no tocante ao transporte de carga contentorizada. Este decreto-lei constitui mais uma etapa desse processo, em que o Governo coloca uma vez mais no centro das suas prioridades uma lógica de desmantelamento do Sector Empresarial do Estado.
É exactamente por preconizar uma política nacional de transportes e logística radicalmente distinta, e neste caso com destaque para o sector marítimo e portuário, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português suscita a Apreciação Parlamentar deste Decreto-Lei.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h), do n.º 1 do artigo 4º e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro, que altera as bases da concessão do terminal portuário de Alcântara, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 287/84, de 23 de Agosto.
Assembleia da República, em 22 de Outubro de 2008
Quarta, 22 Outubro 2008
O terminal portuário de Alcântara assume um papel de inegável importância, quer sob o ponto de vista do transporte de mercadorias a nível nacional, quer no contexto da operação comercial do Porto de Lisboa.
Do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro que altera as bases da concessão do terminal portuário de Alcântara
(publicado em Diário da República, I Série, n.º 184, de 23 de Setembro de 2008)
O terminal portuário de Alcântara assume um papel de inegável importância, quer sob o ponto de vista do transporte de mercadorias a nível nacional, quer no contexto da operação comercial do Porto de Lisboa.
Foi o Governo de "bloco central" Mário Soares/Mota Pinto que aprovou o Decreto-Lei n.º 287/84, de 23 de Agosto, determinando as bases da concessão da exploração desta infra-estrutura portuária a uma empresa privada. Numa opção profundamente lesiva para o interesse nacional - mas benéfica para interesses privados no sector - iniciou-se assim, em 1984, a privatização da gestão deste terminal.
O actual Governo PS/Sócrates vem agora acentuar e aprofundar essa política de submissão aos interesses dos grupos económicos, com uma "negociação" com a empresa concessionária que resultou na alteração das bases da referida concessão, através do Decreto-Lei agora em apreço.
Estamos perante um diploma que determina a "prorrogação" do prazo de vigência da concessão do terminal para o dia 31 de Dezembro de 2042. Com esta medida o Governo coloca, a uma concessão portuária com esta dimensão e importância, um prazo que se "renova" em mais de 27 anos, sem qualquer concurso público, resultando assim num período total de (pelo menos!) 57 anos, em que se entrega a uma única empresa privada a actividade de carga contentorizada do Porto de Lisboa. Mesmo a possibilidade de resgate da concessão pelo Estado, justificável por motivos de interesse público, fica expressamente proibida até ao dia 5 de Maio de 2025.
Com este Decreto-Lei, a empresa concessionária, para além de garantir a continuidade ao longo de todo esse tempo do domínio sobre o terminal de Alcântara, fica ainda isenta de taxas, nomeadamente de taxas de utilização de instalações portuárias e de taxas de operação (movimentação de contentores), com a agravante de serem definidos termos de isenção que remetem para um «modelo financeiro utilizado» completamente desconhecido.
O Decreto-Lei em questão vem determinar, aliás, um conjunto muito relevante de alterações ao regime da concessão do terminal portuário de Alcântara, em termos profundamente vagos e genéricos, sem concretizar nem definir, remetendo aspectos determinantes para o próprio contrato.
Assim acontece, nomeadamente, com o cálculo da indemnização a pagar em caso de resgate da concessão - que simplesmente se afirma no Decreto-Lei «a definir no contrato de concessão». O mesmo sucede com os termos da notificação obrigatória «às entidades financiadoras» em caso de resolução sancionatória da concessão.
Outro exemplo, particularmente grave, é a autorização expressa à APL para outorgar um aditamento ao contrato de concessão, «com respeito pelas alterações introduzidas pelo presente decreto-lei, na redacção das respectivas bases, sem prejuízo de outras alterações acordadas entre as partes que não contrariem as mesmas». O que significa liberdade total para alterar o contrato de concessão, em tudo o que este Decreto-Lei for omisso.
Estamos perante um processo de contornos politicamente graves, com uma falta de transparência inaceitável, num negócio que (mais que "esclarecer") urge interromper. As decisões que este Decreto-Lei consagra vêm suscitar incontornáveis preocupações mesmo ao nível da ética política.
O Governo, em comunicado difundido pelo MOPTC a 7-10-2008, procurou justificar este processo com a suposta «saturação iminente» do terminal de contentores de Alcântara, e com a suposta urgência de «aumentar a capacidade de resposta do País à crescente procura de transporte marítimo».
No entanto, no mesmo parágrafo do comunicado, afirma o Governo que «já após o anúncio das obras de alargamento, o Porto de Lisboa e a empresa concessionária conseguiram captar para Lisboa, em detrimento dos portos espanhóis, uma nova linha regular de contentores (...)» - o que só pode significar que ou (1) o terminal não estava em saturação iminente e podia captar novas linhas regulares de contentores, ou (2) a nova linha regular de contentores é anunciada agora para entrar em funcionamento em 2014, ou (3) a saturação iminente foi resolvida... com um anúncio de obras.
O mais provável é estarmos perante a primeira hipótese, já que, de resto, segundo o Relatório de 2007 da APL, a movimentação de contentores em Alcântara cifrou-se em 237.768 TEU, o que significa uma capacidade excedentária superior a 30%. Aliás, a «capacidade de resposta do País à crescente procura de transporte marítimo» que tanto parece preocupar o Governo deve ser vista de uma forma integrada e em rede, considerando-se necessariamente a capacidade de Portos como Setúbal ou Sines.
Não podemos escamotear que o modelo de estratégia económica preconizado pelo Governo para o país e para este sector, e aplicado também com este decreto-lei, é insustentável e profundamente contrário ao interesse nacional.
Estamos perante uma política que compromete o futuro, num sector de actividade que assume um carácter estratégico e determinante para o desenvolvimento económico e mesmo para a soberania nacional. Ao invés de apontar uma visão estratégica, integrada e articulada para todo o sector marítimo e portuário nacional, o Governo prossegue uma política de segmentação, descoordenação e concorrência mútua para os portos nacionais - de que esta opção é um exemplo particularmente evidente, pela negativa, no tocante ao transporte de carga contentorizada. Este decreto-lei constitui mais uma etapa desse processo, em que o Governo coloca uma vez mais no centro das suas prioridades uma lógica de desmantelamento do Sector Empresarial do Estado.
É exactamente por preconizar uma política nacional de transportes e logística radicalmente distinta, e neste caso com destaque para o sector marítimo e portuário, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português suscita a Apreciação Parlamentar deste Decreto-Lei.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h), do n.º 1 do artigo 4º e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 188/2008, de 23 de Setembro, que altera as bases da concessão do terminal portuário de Alcântara, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 287/84, de 23 de Agosto.
Assembleia da República, em 22 de Outubro de 2008
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