Tuesday, January 02, 2007

A TRAGÉDIA INSTALADA NO ‘PÚBLICO’
A TRAGÉDIA INSTALADA NO ‘PÚBLICO’



É público e notório que, em termos de conteúdos, tenho discordado muito de Diana Ralha. Isso tenho escrito quando o acho indispensável - e já aconteceu, julgo, duas vezes.
Desta vez, chegou a hora de lhe dar um elogio do tamanho destes posts que ela inseriu no seu blog (T)RALHA, onde assina como DIA este «diário» intercalado dos dias negros deste fim de ano no «Público», onde os despedimentos por mim referidos por diversas vezes levaram alguns bons amigos para as prateleiras deste país de bestas, como julgo que diriam Ramalho ou Sampaio Rodrigues nos seus dias áureos...
Honra, Diana, pela coragem, também!

Segunda-feira, Dezembro 04, 2006

Comichão de Trabalhadores

A sindicalista deslumbrante não estava assim tão deslumbrante quando, a meio de um texto sobre projectos urbanísticos aprovados pela autarquia de Lisboa por cima do traçado da terceira travessia do Tejo e da linha de ferrovia de alta velocidade, o telefone tocou, perto da hora do jantar, e a extensão que apareceu naquele seu instrumento de trabalho de quem era quase gémea siamesa era a do presidente do conselho de administração.
Nada a fazer e isto que sirva de lição à sindicalista deslumbrante: eram tempos difíceis, se não fossem tempos tão bizarros, aliás, ela nunca teria sido eleita, onde é que já se viu, uma sindicalista de direita e, ainda por cima, deslumbrante, eram tempos tão conturbados que já não restavam para amostra, sequer, ou para exposição atrás de grades com sinais evocativos para não serem alimentados, sindicalistas com patilhas e fartos bigodes, e assim sendo, a sindicalista deslumbrante acabou o texto, ainda teve tempo para sonhar acordada com uma torre miradouro da antiga fábrica dos sabões que conhecera graças aos delírios do Sá Fernandes, e teve que ir a correr para uma reunião informal e muito tardia com o presidente do conselho de administração, infelizmente, com o cabelo em desalinho e a precisar de uma lavagem urgente, que tinha sido adiada, naquele dia, por motivos imputáveis à botija de gás light da BP, que, alheia à vontade da sindicalista deslumbrante, tinha decidido ir desta para melhor, a meio do duche matinal.
E lá se sentaram, os dois únicos representantes dos trabalhadores que não estavam de férias ou folga, numa mesa redonda, e enquanto ela, com o seu cabelo num estado aceitável para a classe, mas totalmente repreensível para o estatuto de sindicalista deslumbrante, negociava mais quatro mil euros de indemnização para uma trabalhadora a quem tinha saído a lotaria de Natal, com uma rescisão amigável do contrato de trabalho no sapatinho, absorvia, ao mesmo tempo, tudo ao seu redor, procurava sinais de que o presidente do conselho de administração era um ser humano, e para além de anotar tudo numa agenda – o economato continuava trancado para cortar custos –, conseguia também mascar pastilha e encontrou ainda as provas que procurava: lá estava, na prateleira, junto à colecção dos Lucky Lukes, a moldura de acrílico e o retrato dos três filhos do presidente, que, sabe-se lá porquê, lhes confidenciou que a mulher tinha optado por ser mãe a tempo inteiro (e ela suspirou, sem saber se de pena, ou de inveja).
A sindicalista deslumbrante estava nisto, a saborear a sua primeira vitória, afinal o primeiro feriado de Dezembro ainda ia ser pago a dobrar, afinal, tinha valido a pena ficar sem voz durante três dias consecutivos, as mebocaínas, os mini comícios nos fumódromos e nos corredores, a empresa já não impunha, negociava, era bom, quase se esqueceu do cabelo por lavar, de não estar tão deslumbrante quanto seria desejável, quando lhe deu uma crise de urticária.
Era a comichão de trabalhadores.
O monstro não era o presidente do conselho de administração, era triste, mas não era ele, apercebeu-se ela, naquele instante: ele despedira 55 colegas da sindicalista deslumbrante desde Janeiro, ela não sabia e tentava adivinhar como é que ele dormia com isso, mas naquele dia, mais três pessoas tinham assinarado um papel que resumia o seu percurso dos últimos dezoito anos de vida em troca de um cheque, e, nos corredores, os outros, os que ficaram, os eleitos, exigiam pré-avisos de greve apenas porque lhes iam retirar a merda dos pagamento dos feriados a dobrar.
A sindicalista deslumbrante ouviu coisas do arco da velha e era aquelas pessoas que ela representava: despeçam lá quantos quiserem, mas não se atrevam a cortar-me o feriado, ouviu ela, ou, os que foram despedidos estavam mesmo a pedi-las, coisas que nem ela, sindicalista de direita ousara pensar, nos seus delírios neo-liberais. Um departamento inteiro daquela empresa ia ser extinto nos próximos meses e só se ouvia falar de greve por causa do pagamento dos feriados, era tão triste, era a natureza humana, o que é que a sindicalista deslumbrante estava à espera, mas quem é que, afinal, são os monstros?

posted by Dia at 11:15 PM

6 Comments:

NUNO FERREIRA said...
Pessoalmente, tive uma experiência muito civilizada com o
administrador quando se tratou de rescindir. O facto de ele mostrar
uma face mansa, educada e civilizada quando se senta à mesa contigo,
não atenua barbaridades do género "acreditem que já fiz isto noutras
empresas e com sucesso" ou "eles vão ter mesmo que saír" ou ainda
"todos os anos queremos renovar o jornal em dez a 20 pessoas".
A sua aparente civilidade não atenua a verdadeira e muito pouco
democrática intenção de fazer um jornal com um núcleo duro de
apaniguados e uma mole acrítica e submissa de recibos verdes. Estive,
por exemplo, em várias festas do jornal e nunca vi uma festa de
aniversário tão sombria e tão sinistra como a do ano passado. A
maioria dos jornalistas não foi e a sala estava desolada e vazia. A um
canto, no entanto, lá estava o administrador e o director rodeados dos
mesmos apaniguados que vão ajudar a gerir e a dirigir o novo (não
entendo como pode uma mesma pessoa presidir a uma segunda refundação)
jornal.
Nesse sentido, existe na realidade uma monstruosidade, da qual a face
mais visível é o executor, o convidador a rescindir. Pessoalmente,
vejo o administrador como o braço frio e metálico de um monstro criado
há muitos anos. A estratégia está agora a chegar aos finalmentes e a
doer a sério mas vem sido planeada há anos pela pessoa que dirige o
jornal desde 99. Portanto, Diana, na minha opinião o monstro existe.
O que se passa é que qualquer estratégia como a que está a ser seguida
no jornal, chame-se-lhe neo-liberalismo, fascismo, seja de esquerda ou
de direita, começa por uma primeira fase em que todos são atirados
contra todos, em que todos desconfiam de todos, em que se instala o
salve-se quem puder, em que se criam dificuldades e se incomoda quem
incomoda o líder. Ostraciza-se, rebaixa-se, minimiza-se, brinca-se com
os que não são apaniguados do líder. Vai-se enxugando a toalha,
apertando aqui, apertando ali, espremendo a casa. A toalha, tu sabes,
vem sido apertada há muito tempo e sempre nas mesmas pontas. Pinga
quem está nas margens, quem critica, quem quer ser quem é, quem quer
afirmar e dizer sem ter que o fazer no círculo dos eleitos.
Agora, depois de anos a enxugar as pessoas que não interessam, as que
têm a memória do que foi fundado e de como foi fundado, das raízes,
dos pilares, passou-se a uma segunda fase. Agora, é preciso que
ninguém se sinta seguro, que todos temam pelo seu lugar de trabalho,
que percam todo e qualquer laço de solidariedade entre si que não seja
o de obediência ao líder supremo.
Nesta fase, já não há solidariedade, já não há ajudas. Agora são os
feriados, amanhã será outra coisa qualquer. Eu decidi-me vir embora no
dia em que vi três colegas a um canto da sala a rir do pânico que se
instalou naquela sexta-feira de Setembro em que recebemos os
telefonemas a convidar-nos para a reunião de rescisão. Colegas a rir
enquanto outros choravam. Isso chama-se insanidade. O monstro criou
monstrinhos. Quando lhe atirarem à cara "Seu monstro!", ele pode
rir-se e dizer "então mas você comportam-se uns com os outros como
monstros, andam a passar a perna uns aos outros..."
A obra- de alienação do património humano que fundou o jornal, de
apagamento da memória colectiva, de destruição dos laços afectivos que
nos faziam termos orgulho em trabalhar uns com os outros- está feita.
A partir de agora, o jornal pode manter o mesmo nome mas já não é o
jornal porque lutámos e pelo qual nos sacrificámos. É outra coisa. É
um monstro.
Nuno Ferreira

12:38 AM
Menino Mau said...
continue a sua batalha diana..venho a este blogue todos os dias e é o primeiro que eu vejo logo que abro o computador...

9:32 AM
Leonardo Ralha said...
Cada vez mais acredito que saí a tempo, tendo até o (insensato) cuidado de escrever uma carta ao director-que-as-vossas-almas-temem na qual (pura insensatez a minha!) lhe dava conta dos meus receios quanto ao caminho trilhado, nomeadamente a concentração do poder e da confiança dele na "legião" - mais ou menos como no episódio bíblico que vai dar nome ao próximo romance de António Lobo Antunes - que o rodeava. Passados sete anos os resultados estão à vista: tanta gente válida que não fazia parte da orquestra saiu pelo seu pé (Dâmaso, Sá Lopes, JPH, Teixeira e Camacho "to name a few") enquanto outros foram vergastados até seguirem o exemplo, desertificando várias editorias do jornal. Cumpriu-se o mal e o império só não se desfez devido à permanente crise do concorrente directo.
Quanto às desilusões com a natureza humana, aconselho-te, sister, a ouvires o que este ex-sindicalista de direita tem para te dizer: descrer na natureza humana é justamente uma das melhores qualidades que os direitistas têm. Poupa-se muito em desilusões e no tipo de belas utopias que invariavelmente resultam em celas blindadas de onde o oxigénio é lentamente subtraído com uma palhinha.

12:45 PM
ahura said...
O mais trágico disto tudo é a tal espécie humana se considerar "racional" e se auto apelidar de "sábia sábia".
Desde quando se classifica um grupo pela qualidade mais rara nesse grupo? É a prova da esquizofrenia colectiva.

3:00 PM
AnadoCastelo said...
É triste não é Dia, ainda mais quando não houve sequer um único jornalista que falasse no dito departamento que vai deixar de existir e que serve os mesmos. Pelos vistos não lhes faz diferença. Ao fim de 18 anos ainda se fica surpreendido por chegarmos à conclusão que não somos precisos. É o que dá a entender pela atitude tomada na reunião. Estamos a ficar mais que monstros, a olhar cada um para o seu umbigo, quando o trabalho, seja em que empresa for, é de todos. Todos contribuem para o sucesso dela. Mas parece que agora é moda pensar-se de outra maneira. Mas como eu tenho fé e tenho a certeza que Deus não dorme, pode tardar mas não falha, ainda nos havemos de rir de tudo isto.
Jokas grandes

6:28 PM
M. said...
Sobre o texto e os comments: Brilhantes, apesar de tristes, por reflectirem a tristeza humana que infelizmente nos rodeia.

2:10 PM
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Domingo, Dezembro 10, 2006

O plenário

Não.
Enganara-se.
Não eram ainda monstrinhos, pensou o pior, pensa sempre o pior, o que é que se há-de fazer – é que está habituada, ao melhor e ao pior, um a seguir ao outro, ou mais pior do que melhor, é mesmo assim, tem que ser desta forma, ninguém pode ousar pedir o melhor e não estar à espera do reverso dessa moeda de ouro, e o melhor vale mais do que o pior, isso é uma verdade de la palisse, por isso, era quase aritmético, matemático, científico, a sindicalista deslumbrante ainda não tinha conseguido descortinado a equação, mas andava lá perto e para cada um melhor existiam, de acordo com os seus cálculos, 1,71 piores, nada a fazer, é o preço que se paga, é um preço simpático, até, que se paga.
A sindicalista deslumbrante estava deslumbrante de corpete preto de dominatrix no primeiro plenário que convocou e que, atabalhoadamente, com o seu parceiro sindical, dirigiu.
Não eram monstrinhos, ainda não eram, que alívio, a grande maioria não era e ninguém se apercebeu, mais de uma centena de pessoas concentrados como sardinhas enlatadas em 30 metros quadrados, ninguém deu conta de como a sindicalista deslumbrante ficou feliz que, naquele plenário, não se falasse só de trocos, de dinheirinhos, das carteirinhas de cada um. Que se falasse de pessoas, de direito ao emprego. Uma jornalista senior disse à sindicalista deslumbrante que tinha inveja dela. Tonta, a sindicalista deslumbrante pensou que ela falava da sua garra, do sangue que lhe pulsa às golfadas nas guelras, da sua coragem e inconsequência, mas não, a jornalista senior tinha inveja dos corpetes pretos de dominatrix que a sindicalista deslumbrante vestia nos plenários. Mas a sindicalista gostava de ser honesta e disse-lhe:
Há quem ache que eu tenha um grande cú.
Mais ou menos deslumbrante, com mais cinco ou menos cinco centímetros de anca, a sindicalista deslumbrante, com a sua equipa de inexperientes e imaturos jovens sindicalistas, conseguiu que a administração recuasse, e cada um engole como pode e consegue o ter que dar um passo atrás e o presidente do conselho de administração tentou a táctica do eu não disse nada disso, a sindicalista deslumbrante é que é muito exaltada (só lhe fica mal).
Cada um usa os seus trunfos, mostra ou não o seu jogo, aumenta a parada ou retrai-se. Cada um tem os seus objectivos: uns têm a obsessão por uma percentagem, outros são obcecados pelas pessoas. Da sua parte, a sindicalista deslumbrante não queria louros, ou palmadinhas nas costas, não queria também abrir a sua cova, só não queria ouvir um dia destes o presidente da empresa a dizer em plenário: Estávamos à beira do precipício. Hoje, demos um passo em frente.
Alea Jacta est.


posted by Dia at 8:39 PM

4 Comments:

zzz said...
posso desenhar a bd?

10:16 PM
Dia said...
SIMMMMMM!!!!

6:33 PM
NUNOSALOURENCO said...
diana:

apetece-me dar-te um beijo

12:43 PM
Dia said...
Porquê, mori?

2:27 PM
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Sexta-feira, Dezembro 22, 2006

A garrafa de Veuve Clicquot

Se calhar, nunca existiu nenhum parecer jurídico de um qualquer advogado reputado neoliberal, cujo nome também nunca veio à baila. Aos poucos, a sindicalista deslumbrante perdia a sua ingenuidade e aprendia que cada cartada deste jogo traz na manga um trunfo e que a cor do seu naipe é o bluff.
É Natal e a sindicalista deslumbrante e sus muchachos deram o melhor presente ao presidente do conselho de administração. Plenário para aqui, plenário para acolá, duas semanas de férias praticamente arruinadas, comunicados escrevinhados à pressa, mas que, mesmo assim, fizeram ferver o leite e saltar a tampa da panela, houve de tudo, para todos os gostos e idades: emails intimidativos na caixa de correio, bombistas suicidas nas margens do Douro, houve moções escritas a chorar, às tantas da manhã, porque até o gato morreu nas benditas férias.
A sindicalista deslumbrante estreou a sua echarpe verde, cuidadosamente bordada por crianças paquistanesas. Disse ao presidente do conselho de administração, tinha que o dizer, também, nada a fazer, podiam vir mais emails gralhados das suas hierarquias de propósito duvidoso, podiam vir processos disciplinares, ou mesmo, um lugar longínquo no novo organigrama, mas têm um azar do caralho desta vez, é que a sindicalista deslumbrante não teme mais, entrou nesta aventura porque, olhem, foi como na faculdade, quando a sindicalista deslumbrante estudava numa escola superior muito bonita, disse um dia, estou farta desta merda, mãe, estou a desaprender, sinto-me a sufocar, e então passou a nivelar por baixo, pior era impossível, e então, tudo o que se sucedesse acima do patamar mínimo da dignidade humana era uma festa, era balões e foguetes a toda a hora, e neste caso, a jornalista deslumbrante só aceitou transformar-se em sindicalista igualmente deslumbrante, porque não tem nada, mesmo nada a perder, e foi por isso, que com os bordados das mãos pequeninas dos meninos de tez de meia de leite ao pescoço, e com um processo de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho a abanar e a tremer na mão direita, ela disse, teve que dizer, já que horas mais tarde, o presidente do conselho de administração estaria a brindar com uma garrafa de Veuve Clicquot Brut: “Há dias em que eu tenho vergonha de pertencer a uma empresa assim”.
E o presidente do conselho de administração fez um lifting imediato à testa por a ter esticado muito, e a sindicalista deslumbrante acha que o viu a encolher os ombros também e, nesse momento, achou-o parecido com o José Mourinho, mas nada, mesmo nada que ela dissesse o faria não abrir a garrafa de espumante prometida para o dia em que ele cortasse, com um aperto de mão da comichão de trabalhadores, 400 mil euros de custos fixos.

posted by Dia at 1:25 PM

5 Comments:

ISA said...
puta que o pariu...

2:10 PM
L said...
Ainda assim espero que tenhas um Natal especial temperado de canela e outros prlimpimpins que nos fazem acreditar que tudo será melhor...
...Estou tão lamechas que me comovo só de ver brilhar uma bola vermelha numa qualquer àrvore de Natal...
Feliz Natal!

4:58 PM
M.M said...
Prestes a ir para a minha «aldeia», um Feliz natal também para si.

PS: Sobre sindicalistas, teria muito a dizer (e por experiência própria, eheheheh) mas fica para uma próxima altura.

5:06 PM
Miguel Marujo said...
é dar-lhes, é dar-lhes, sem pena, nem piedade. de resto, bom Natal e um ano de 2007 bem melhor que este que agora se "corta"...

1:59 PM
ISA said...
minha querida, um óptimo Natal e um excelente 2007. bjs mil

4:52 PM
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