Tuesday, December 29, 2009

A minha terra natal precisa de mudar de Distrito

Casteleiro

Uma freguesia que foi forçada

a mudar de Distrito há 150 anos

Na minha meninice sempre ouvi dizer que ao Sabugal só se ia para ir às Repartições do Estado. Não seria bem assim, mas a verdade andaria lá muito próxima.

Seria uma boa notícia se, em próxima reorganização administrativa, a minha aldeia e a Freguesia que ela constitui com as suas anexas, regressassem ao Distrito de Castelo Branco – penso que via Concelho de Belmonte, o mais próximo hoje. Aliás, contíguo.

A história de mais de seis séculos a pertencer ao Distrito de Castelo Branco pesa mais do que estes 150 anos desde que, em 1855, tudo foi alterado à força.

Mas pesam também muito aspectos como as questões da vida social, económica, o modo de ser das pessoas, etc..

Beira Baixa, Casteleiro

Quando era pequeno, ensinaram-me em casa e na escola a escrever nas cartas o seguinte endereço de remetente: José Carlos Mendes / Beira Baixa / Casteleiro / Sabugal.

Quando cresci um pouco, isto começou a fazer faísca na minha cabeça: Beira Baixa? Mas, como, se o Sabugal, a Guarda (sede do Distrito) é Beira Alta?

Mais tarde ainda, com um pouco de análise e algum estudo, percebi: pela força, sem qualquer auscultação nem razoabilidade, a reforma administrativa liberal de Mouzinho da Silveira da década de 30 do século XIX, que mesmo assim levou 20 anos a chegar lá àquelas terras, retirou o tabuleiro e mudou tudo sem mais aquelas: Sortelha deixou de ser concelho, o Casteleiro foi integrado no concelho do Sabugal e pronto: de uma penada, passou-se, pelo menos nos papéis oficiais, da Beira Baixa para a Beira Alta, da Cova da Beira para a Raia.

Mas o Povo e a sua vivência, tanto quanto isso foi possível, continuaram a pender para baixo, para Caria, para Belmonte, para a Covilhã. Muito mais do que para o Sabugal ou para a Guarda.

Contam-me que até quando pela primeira vez se discutia, contra a vontade da Igreja, o uso da pílula anti-concepcional, quem veio ao Casteleiro esclarecer as mulheres foi uma farmacêutica de Belmonte. Do lado de cima, do lado do Sabugal... nada.

Um aspecto diferente mas que não é anódino: do ponto de vista das votações, o Casteleiro sempre se pareceu mais com o lado de baixo (Belmonte, Covilhã etc.) do que com o Sabugal e a Raia.

A que concelho do Distrito de Castelo Branco

pertenceu o Casteleiro até 1855?

Não é unânime, nas minhas fontes, a que concelho pertenceu o Casteleiro até 1855: ou a Sortelha ou à Covilhã – a um desses foi, de certeza. Em todo o caso, fosse a um ou ao outro, até essa data, a minha aldeia pertenceu indiscutivelmente ao Distrito de Castelo Branco.

Por exemplo: Joaquim Manuel Correia, da Associação dos Arqueólogos Portugueses, no seu livro de 1905 (1ª edição), «Memórias do Concelho do Sabugal», afirma que o Casteleiro pertenceu até então ao Concelho da Covilhã (leia a Nota 1).

Neste particular, tenho quase a certeza de que o «site» da Câmara do Sabugal é que está certo: o Casteleiro pertenceu até 1855 ao Concelho de Sortelha, que existia desde 1288 (leia a Nota 2). Aliás, para me tirar as dúvidas, verifico com prazer que num livro dedicado à minha terra, o meu amigo e conterrâneo Daniel Machado escreve que a minha aldeia, sem dúvida, pertenceu a este Concelho e que viu isso no «Diário do Governo» de 19 de Novembro de 1855. Para mim, fim à polémica e à dúvida (leia a Nota 3).

Factores de coesão escorrem quase todos para Sul

Não encontro quase nada que recomende e justifique a pertença da Freguesia do Casteleiro ao Distrito da Guarda.

Quase todos os «items» me levam a pensar que esta violência administrativa que dura desde 1855 devia ter um fim rápido.

Vejamos, um a um.

O feitio do pessoal

Todos dizemos que o nosso pessoal da minha terra tem muito mais o feitio da malta do lado da Covilhã e de Belmonte do que o do lado do pessoal do Sabugal.

O clima

Ali, na minha aldeia, começa a Cova da Beira. O clima é muito mais ameno. As frutas que temos são as da Cova da Beira e não as das terras frias. Nunca ouvi falar de cegonhas a Norte (fosse em Santo Estêvão, fosse no Sabugal). Mas ao Casteleiro elas «não se dispensavam» de vir passar a Primavera.

A orografia

É sabido que os montes e vales, a orografia, determinam muito numa região, a começar pelas culturas. Pois bem: a orografia do Casteleiro tem tudo a ver com a Cova da Beira, com o Sul, e nada com a zona a Norte, com o resto do concelho do Sabugal. Os montes à nossa volta desenham quase uma concha, que começa na descida do Terreiro das Bruxas, passa no Casteleiro e se espraia até Caria e por aí abaixo. A Natureza assim o desenhou, mas o poder mudou essa lógica há 150 anos.

Saúde

Não deixando de referir o Dr. Manso, do Sabugal, a verdade é que havia um médico muito recorrido em Caria: o Dr. Salgueiro. E outro em Belmonte, o Dr. Vieira. Era para aí que escorria a maioria do pessoal quando havia problemas com a miudagem ou com os adultos. Ainda hoje, quem precisa de Hospital vai ou faz tudo para ir para a Covilhã.

Farmácia

Muita gente só ia a Caria. Outras pessoas, tanto iam a Caria como ao Sabugal e, sem dúvida, na minha juventude ouvia falar mais da Farmácia «da Ilda» (Sabugal) do que de qualquer outra. Mas podia ser talvez mais na minha família. Não sei explicar.

As romarias

Até as romarias a que se ia ficavam quase todas a Sul: a Senhora da Póvoa (no Vale de Lobo da época), a Senhora da Quebrada e o São Bartolomeu (ambas nos Três Povos), a Senhora do Carmo (a seguir a Caria). Havia ainda o Santo Antão, em Sortelha, antiga sede do Concelho a que pertencera o Casteleiro e lá se ia. Só a Santa Eufémia (em Quadrazais) e a Senhora do Bom Parto é que eram para Norte: uma para lá do Sabugal e a outra logo ali, no Terreiro das Bruxas...

Os transportes

Primeiro, o comboio. Essa é a grande via de ligação às grandes cidades: Covilhã, Castelo Branco, Lisboa. Ninguém vai apanhar o comboio ao Barracão, a estação do Sabugal. Depois, a «carreira». Este era o único transporte público que passava na minha terra. E, claro, havia o táxi (o meu pai foi dono da praça por mais de 20 anos). Mas a carreira, essa, condicionava uma série de coisas. E facilitava a ida ao Sabugal e não a Belmonte: a viagem era concebida de modo a que as pessoas fossem de manhã e viessem à tarde – era um dia consumido nessa simples deslocação de 15 km.

A economia e a vida escolar

A economia da Freguesia e a nossa vida escolar marcam aqui um contraponto: enquanto o Grémio estava no Sabugal, os abastecimentos e escoamentos escorriam para Sul; por sua vez, o facto de termos de ir estudar para o Sabugal determinou o futuro de muita gente. Mas a maioria da malta, entre ir para a Guarda e depois Coimbra ou para Lisboa, foi para Lisboa estudar. Mas nada disto é estanque nem pacífico: é muito grande o peso da Administração durante 150 anos. O abastecimento (batata, adubos, farinhas, sei lá) era tudo recebido por comboio. E depois, o grosso dos produtos era também escoado para Sul: ou de camião ou de comboio – mas os grandes escoamentos iam sempre para os lados de Lisboa, via Castelo Branco, também.

O emprego

Aparte os emprego de tipo administrativo - e, para malta do Casteleiro, isso significaria uma curta meia dúzia de pessoas - pouco emprego era encontrado no Sabugal, Guarda ou raia. Pelo contrário, era para Sul, sobretudo para a Covilhã, Castelo Branco ou, mais ainda, Lisboa, que corriam as hipóteses de ter um emprego mais bem remunerado do que no Casteleiro. Até o emprego agrícola estava a Sul e não a Norte: logo ali, em Santo Amaro ou, mais longe, no Ribatejo e no Alentejo.


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Notas

1

Joaquim Manuel Correia, livro cit., 1905, pág. 174.

2

Retirei da Wikipedia e por isso vale o que vale: «Sortelha (…) foi vila e sede de concelho entre 1288 e 1855. Era constituída pelas freguesias de Águas Belas, Urgueira, Bendada, Casteleiro, Malcata, Moita, Pena Lobo, Santo Estêvão, Sortelha e Valverdinho. Tinha, em 1801, 4 096 habitantes em 237 km². Após as reformas administrativas do início do liberalismo foram-lhe anexadas as freguesias de Lomba e Pousafoles do Bispo. Tinha, em 1849, 6 022 habitantes em 261 km²».

3

Daniel Machado, «Casteleiro – Memórias, Usos e Costumes de Um Povo», pág. 51.


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