Tuesday, February 10, 2009

Tirar daqui o Tribunal é uma pouca vergonha e ant-lisboeta, diz Mário Soares

Mário Soares alinha no movimento a favor da preservação do Tribunal da Boa-Hora, mas António Costa está disposto a avançar com o hotel
Um ex-chefe de Estado, um juiz, uma procuradora, um advogado e uma jornalista, em diferentes tons, mas sob um denominador comum, expressaram ontem a perplexidade com que antevêem num horizonte próximo a desactivação do Tribunal da Boa-Hora, que dará lugar a um hotel dito de charme. Cada qual com experiências vividas naquele espaço de justiça, ou onde ela também faltou, nenhum vacilou no desejo de preservação dos simbolismos ante a perspectiva da destruição das memórias encerradas na Boa-Hora - Um Tribunal com História, tema para a conferência promovida pela Associação dos Juízes pela Cidadania.Na sala do Tribunal Plenário juntaram-se advogados, antigos presos políticos, curiosos, jovens estudantes, onde o juiz Gonçalves da Costa, que moderou o debate, o classificou como parte de um "edifício icónico, símbolo da liberdade", principal palco de julgamentos de presos políticos do salazarismo, "e que os poderes locais deviam honrar". O antigo Presidente da República Mário Soares, que também ali exerceu a advocacia, não teve papas na língua e, ao seu jeito, atirou forte. "Não me parece um bom negócio, e muito menos um negócio do Estado", disse Mário Soares, classificando a iniciativa de subtracção do tribunal à Rua Nova do Almada como "uma pouca-vergonha" e um "acto anti-isboeta".Diana Andringa, jornalista, opositora ao regime salazarista, recordou o seu passado naquele tribunal, onde também foi julgada pelo antigo regime, defendeu a importância histórica e física do edifício, alegando que o património está a diminuir, pelo que propôs a realização de um filme que retrate o que ali se passou. "O que é preciso é lembrar os amores de Salazar", concluiu em tom irónico. A procuradora do Ministério Público Maria João Lobo considerou o Tribunal da Boa-Hora como "um dos sítios mais emblemáticos da justiça portuguesa" e afirmou que se trata de um espaço onde "as pessoas sentem que foram tratadas com justiça". Foi perseguida, condenada pela PIDE no ano de 1971 e julgada naquela mesma sala do Plenário. "As primeiras filas de cadeiras onde se encontram sentados eram ocupadas exclusivamente por elementos da polícia política, como forma de dificultar a assistência por parte dos nossos familiares e amigos", disse. O advogado José Augusto Rocha, que teve activo papel na defesa dos presos políticos no Tribunal Plenário, demonstrou a sua oposição face à provável alienação do imóvel. Também o bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto, demonstrou a sua solidariedade na defesa e preservação da Boa-Hora, afirmando: "O edifício exige de todos nós que não nos calemos." O presidente da CML, António Costa, apesar de não ter comparecido no debate, e que falava à margem de uma conferência sobre a carta estratégica da cidade, afirmou que o edifício "não oferece condições para a administração da justiça, e sublinhou que já havia defendido a sua desactivação quando foi ministro da Justiça.A criação de uma cidade judiciária no Parque das Nações, para onde o tribunal será transferido em Julho, vai "melhorar a qualidade da justiça", acredita o presidente da autarquia. Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo

O Ministério da Justiça, em nota ontem enviada à imprensa, esclarece que "a transferência [do Tribunal da Boa-Hora para a cidade judiciária no Parque das Nações] acontece com o objectivo de dar melhores condições às pessoas que recorrem aos seus serviços, bem como a quem lá trabalha e aos magistrados". "Toda a área criminal ficará concentrada num só espaço, tendo sido bem recebido pelo Conselho Superior da Magistratura e pela PGR. A utilização futura do actual edifício não é da responsabilidade deste ministério, sendo prematuro especular sobre o seu destino", lê-se ainda na mesma nota.

In Público / Local, hoje

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