Monday, February 02, 2009

Mobilidade na Baixa

Mobilidade na Baixa e na frente ribeirinha - vamos e já vimos

Público -03.02.2009
Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, Miguel Atanásio Carvalho e Carlos Moura

O "novo conceito de circulação para a Frente Tejo, entre Santa Apolónia e o Cais do Sodré", neste momento em debate público por deliberação da Câmara de Lisboa, incorre, a nosso ver, numa série de erros e omissões graves e, em alguns casos, ingénuos, até.Antes de os indicar, e porque sempre fomos defensores de menos carros na Baixa, enviamos daqui o nosso aplauso à câmara por, pela primeira vez em anos, decidir intervir e inverter a "espiral de morte" da cidade. De facto, a presença maciça do automóvel ali assume foros de escândalo: o ar é irrespirável, o ruído infernal. Há carros a mais e pessoas a menos. É preciso escolher e agir, sob pena de ser tarde de mais. Escolher uma solução harmoniosa cidadão/automóvel, até certo ponto, caso contrário só há uma escolha possível: o cidadão.A proposta em apreço está longe de ser perfeita, mas é um bom sinal de que as coisas começam a mudar. Um sinal de stop à poluição, ao estacionamento abusivo e à circulação automóvel sem limites. E um sinal verde ao peão, ao usufruto da cidade histórica, plana, dos espaços comerciais e de lazer, à qualidade de vida essencial a uma capital europeia.Aplauso ainda para o recuo em relação ao que de errado constava no relatório final do Comissariado da Baixa-Chiado: estacionamento sob a Praça do Comércio (600 lug.), 'Circular das Colinas' (obra megalómana, em túneis, esventrando a cidade consolidada, para gáudio dos empreiteiros do costume) e, recentemente, a remoção do eléctrico da Rua do Arsenal (logo essa rua que devia ser fechada ao trânsito e aberta a esplanadas, ao sol e à sombra) em prol de um eléctrico panorâmico em ziguezague pelo Terreiro do Paço. Lisboa agradece.Mas o documento agora em debate público ignora o problema a montante, o que nos leva a fazer crer, involuntariamente, que tudo afinal não passe de cosmética para que o Terreiro do Paço seja um anfitrião limpo e asseado do Centenário da República. Pior, contudo, é quando as poucas medidas preconizadas a montante assentam em premissas erradas e perigosas.A montanteA CML assume como bom o PUALZE (Plano de Urbanização ds Avenida da Liberdade e Zona Envolvente), mas este, se por um lado pugna pelo afastamento do automóvel, por outro, defende que o novo edificado tenha farto estacionamento em subsolo [600 lug./Mercado do Rato, 2x150 lug./Cinema Tivoli e edifício Armani; 2x130 lug./Tv. Sta. Marta e Lg. Oliveirinha (que devia ser só pedonal)], nada dizendo sobre como 'varrê-lo' à superfície. O PDM, diga-se, é o 'culpado' pois só para a Avenida da Liberdade impõe mais 12 mil lug., o dobro do já existente. Há que rever o PDM! É que na zona já existem oito mil lug. subterrâneos em parques públicos e 1200 em privados, e nem por isso a CML ordena, muito menos erradica, o estacionamento à superfície, gerador, como se sabe, de trânsito demorado, constante, e recordes europeus de poluição atmosférica.Ainda na Avenida, bem como no Rossio, Rua Áurea e Rua da Prata, a CML defende a manutenção das faixas de rodagem centrais, tal qual elas estão, o que não se percebe, pois 70 por cento do tráfego, dizem, é de atravessamento! Mas, se a 'Circular das Colinas' morreu, há já uma sucessora, mais pequena mas não menos perigosa. Da 'Diagonal Nascente Poente' apenas se conhece uma série de minitúneis. Onde? Em que extensão? Há abate de árvores/eliminação das placas centrais? E lá vem o 'inevitável' túnel sob a Penha de França. Para quê? Ninguém explica. O ciclo eleitoral?E esqueceram-se do subúrbio. De interfaces de transportes colectivos efectivos e credíveis. Eventualmente de portagens/penalizações a quem insistir em vir de carro para Lisboa, ignorando as alternativas entretanto criadas, fiáveis, cómodas e rápidas em transporte público. Onde pára a Autoridade Metropolitana de Transportes? Que está a ser feito? Nada.CarrisEm todo o documento não há uma única menção à Carris, ou ao que a CML dela espera. É que com a Carris como vem funcionando e como se perspectiva no futuro, Lisboa nunca terá melhor mobilidade. Desenganem-se aqueles que pensam que basta compor uma maqueta para logo se ter melhor mobilidade na Baixa. Isso só acontecerá quando a Carris apostar em autocarros de menor porte, não poluentes, com carreiras com maior periodicidade e à tabela, complementando algumas linhas de atravessamento, com trajectos curtos e apontados a 4-5 eixos para posterior distribuição pedonal: Chiado, Praça da Figueira, Corpo Santo, Cais do Sodré e Santa Apolónia. Ou quando a Carris apostar na retoma do carro eléctrico, e não na sua 'musealização', reabrindo a carreira do eléctrico 24, por exemplo. Que fique bem claro: tudo será virtual enquanto a Carris não se encontrar submetida às orientações da CML. Disso não trata este documento.Sugestões:Porque não tornar as Av. Dq. Loulé e Conde Redondo em locais mais aprazíveis e seguros para os peões, com vantagens claras para o transporte público? As ilhas centrais são essenciais para a segurança dos peões e para a beleza das ruas. E isso já existiu. Há que o retomar. Lisboa não pode ser planeada navegando à vista, à vontade de técnicos que resolvem um dia cortar o trânsito ali, e acolá, brincando às maquetas. Para quê impermeabilizar o Corpo Santo e o Campo das Cebolas, cada qual com 600 lugares em subsolo, se no primeiro se pode manter o estacionamento à superfície, partindo daí um sistema de navettes até ao Chiado, Praça da Figueira e Santa Apolónia? E se o segundo devia ser 100% pedonal?Alertas:A introdução do Sistema GERTRUDES em Lisboa foi feita sem planeamento estratégico e, por isso, não sendo desastrosa, apenas serviu para introduzir o caos em zonas até aí sem caos, o abate de árvores e a eliminação de placas centrais nas Avenidas Novas. Idem para os túneis da Av. João XXI, Campo Pequeno e Marquês, implicando, geralmente, a deslocação de tráfego para outras zonas, e a destruição do ambiente urbano e do espaço público nas rampas/muretes/fossos de entrada e saída, o aumento da velocidade e geração de tráfego. Túneis e parques de estacionamento ad hoc demonstram, no mínimo, ingenuidade.