«Apreciação da Informação Escrita do
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Intervenção do Deputado Municipal António Modesto Navarro, representante do Grupo Municipal do PCP»
Assembleia Municipal de Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
«Nós queremos prestar homenagem aos trabalhadores e serviços da Câmara Municipal, perante este conjunto de relatórios das actividades que, apesar de tudo, conseguem realizar. Apesar da ausência de visão estratégica de quem preside à Câmara Municipal e de quem tem pelouros distribuídos. E apesar do imenso desastre que é a situação financeira do Município.
Embora possamos achar excessivo que se refiram, nestes relatórios, da responsabilidade política do Executivo na sua apresentação final à Assembleia, actividades como o “controlo da população dos pombos”, “reuniões com a DREL”, “elaboração de um projecto para a instalação de uma instalação sanitária (sic na página 17) na EB1 Fernando Pessoa, “relatórios sobre actividades de Federações, Associações e Colectividades”, “Estado de conservação e estimativa orçamental para reposição da foice na escultura evocativa de Maria da Fonte”, “participação em reuniões preparatórias com entidades bancárias”, “gestão de pedidos de aluguer do Fórum”, etc., etc., etc..
Depois, queremos salientar a imaginação de quem consegue afirmar que entrámos (ou entraremos, não se sabe bem…) “num novo ciclo de planeamento estratégico”, “numa nova visão estratégica para Lisboa”, com quatro eixos que podiam ser bons se funcionassem, como a “Lisboa, cidade de Bairros”, a “Cidade de Empreendedores”, a “Cidade de Culturas” e a “Cidade de Modernidade e Inovação”, tudo isto com um horizonte temporal situado em 2012 (também sic, logo na página 1 da introdução ao relatório).
Mas, infelizmente para a Câmara, não estamos em tempo favorável para futurologias. Afinal, estamos no ponto 1 da Ordem de Trabalhos, informação escrita do Senhor Presidente da Câmara à Assembleia Municipal, sobre actividades no período de 1 de Setembro a 15 de Novembro, e o Senhor Presidente, se falasse verdadeiramente disso na sua introdução, só poderia acrescentar desastres aos desastres já conhecidos e mais antigos.
Desde logo, essa novela trágica e cómica dos terrenos da antiga fábrica de sabões, em Marvila. Não sabemos ainda quem lavará mais branco ou mais negro, se o Governo ou a Câmara, mas o que sabemos é que a maioria simples do PSD aprovou um projecto urbanístico da Lismarvila, do grupo Obriverca, com 111.000 m² de área de intervenção e construção de 162.000m², sem plano de pormenor, em clara violação do PDM e com impacto futuro (talvez futurista, quem sabe…) na 3ª travessia do Tejo e linha ferroviária de Alta Velocidade.
A alta velocidade andou a Senhora Vereadora Gabriela Seara, que investiu de tal modo na travessia desta desgraça, que os terrenos, bem à vista do Tejo, se houvesse expropriação, poderiam vir a valer dez vezes mais do que o Estado pagaria se o loteamento não estivesse aprovado. O recurso à cláusula de excepção “permitiu”, entre aspas, a fuga ao planeamento, ao plano de urbanização e de pormenor. Sabemos da novela e dos seus capítulos projectados cá para fora, mas não sabemos ao certo o que se passou, o que se passa e o que se passará. Sabemos que o Senhor Presidente da Câmara declarou a certa altura, em entrevista, que se alguém pagar 64 milhões de Euros de indemnização, ele não será, o que atesta a ligeireza com que estas coisas se tratam, quando se fala de dinheiros públicos e de interesses privados.
O Governo da República não tomou medidas preventivas que salvaguardassem o interesse público e isso terá impedido a Câmara, em matéria de “razões de facto e de direito”,e cito, de fundamentar o indeferimento do projecto urbanístico… Outra coisa seria a Câmara exigir uma clarificação da situação por parte do Governo, antes de levar a proposta à reunião do Executivo; porém, só interessa negociar quando se trata da transferência do IPO para outro lado qualquer, que afinal pode ser Loures ou Oeiras, tanto faz, porque aí os prejudicados serão os doentes e as suas famílias, mas isso não interessa agora, como diria uma rapariga da televisão, a Teresa Guilherme de boa memória.
O caso dependerá ainda do acordo da REFER, no âmbito da servidão administrativa existente. Estará na mão do Governo e de quem poderá emitir parecer conclusivo. Ou dependerá do processo que o Ministro Silva Pereira declarou que vai ser apresentado em tribunal, porque a aprovação do projecto “é susceptível de conter ilegalidades e vícios jurídicos”. (Um dia contarei a esta Assembleia a história do farmacêutico que decorava o dicionário, mas isso será para rirmos e não para chorarmos sobre leite derramado).
Entretanto, o PCP já requereu a nulidade da deliberação camarária que aprovou o loteamento. Talvez por isso, e pelo escândalo público em que tudo se transformou, vem agora a Senhora Vereadora Gabriela Seara declarar que a Autarquia poderá revogar a autorização do projecto de loteamento, através de uma proposta a apresentar em sessão de Câmara. O fundamento será a descoberta da existência de um parecer negativo da CCDR, emitido em final de 2005, que é vinculativo. Haveria uma identificação errada do documento na Câmara… Há ainda uma primeira fase do loteamento, para a qual os serviços propuseram já o seu indeferimento. Cá por mim, gostaria de saber porquê se aprova uma 2ª fase, quando a 1ª está ainda em apreciação, mas isso são minudências não chamadas para caso tão complexo que um dia perceberemos melhor nos seus enquadramentos mais profundos e estimulantes.
Senhor Presidente da Câmara, o Grupo Municipal do PCP também não poderá felicitá-lo por esse altíssimo feito de a Câmara de Lisboa ser a primeira autarquia do país a criar um quadro duplo de trabalhadores, ou seja, essa descoberta magnífica da civilização do século dezanove ou do século dezoito, ou da idade média, quem sabe, que é o contrato individual de trabalho para os cerca de 1600 trabalhadores com vínculo precário na Câmara. O código laboral da direita e do PS aí está, no seu esplendor, num processo apressado, para tentar ocultar a proposta que os vereadores do PCP apresentaram e que foi rejeitada pelo PSD, que era de integrar directa e objectivamente esses trabalhadores no quadro da Câmara Municipal, sem instabilizar ainda mais a vida profissional de quem deu e dá ao Município o melhor dos seus saberes e dedicação; sem extinção atrabiliária de 43 carreiras profissionais, por exemplo em áreas em que as estruturas e serviços estão a pedir mais trabalhadores; sem a marginalização do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa; sem problemas futuros nos concursos de promoção, que ficam agora numa nebulosa interessante apenas para quem dá o aval ligeiro e sorridente ao pacote laboral e à política anti-função pública que provocará mais desemprego também em Lisboa.
Disto falaremos mais profundamente quando discutirmos aqui a respectiva proposta, mas fica, desde já, esta nota do retrocesso abissal da Câmara e da direita, também em matéria de política de trabalho.
Enquanto isto, Lisboa continua a ver sair habitantes e está à beira de perder o estatuto de maior concelho do país para Sintra. Isto poderá acontecer já em 2011, segundo um projecto de investigação do Instituto de Ciências Sociais. Nessa data, a continuar esta política desastrada de solos e de alta especulação, de cidade não de bairros populares, mas sim habitação para os mais ricos, Lisboa terá 470.000 habitantes e Sintra andará pelos 480.000. Diz João Seixas, um estudioso de Lisboa que trabalha em Barcelona (essa cidade tão exemplar para Vossa Excelência mas para fazerem o contrário do que lá se faz), que não existe em Lisboa uma estratégia de cidade, que há uma elevada complacência relativa ao crescimento imobiliário e uma perspectiva errada de gestão urbana que encara os mercados do solo e do imobiliário como puramente financeiros.
Falta a qualificação de Lisboa e da área metropolitana e, entretanto, gasta-se cerca de 14,3% do PIB com os fluxos de tráfego diário em direcção às grandes cidades, no nosso país de encantos mil e de falta de medidas profundas e corajosas, também nesta área da mobilidade, do emprego e da livre circulação em transportes públicos adequados e modernos. Em tudo isto e muito mais, Carmona Rodrigues mereceu há dias, publicamente, a nota negativa de 8,1 valores.
Entrando agora em questões que ainda queremos deixar à consideração da Exma. Câmara, Senhor Presidente, gostaríamos de saber o que se passa acerca desse excelente relacionamento de V. Exa. com o Ministério da Saúde em matérias tão sensíveis como a possível deslocalização do Instituto de Oncologia sabe-se lá para onde e o projecto do Hospital de Todos os Santos e de todos os anos que hão-de vir (na sua falta e na sombra que se projecta e projectará no desaparecimento de outros hospitais de Lisboa, esses sim, existentes, ali, nos lugares que todos conhecemos, e que são acessíveis sobretudo a uma população envelhecida e pobre).
Nós preferíamos que o silêncio que vossas excelências professam em relação a esses desaparecimentos perigosos para a saúde de Lisboa não tivesse contrapartidas em negócios futuros do imobiliário no IPO. A ver vamos, como disse o cego, que via mais nestas coisas nebulosas que muitos autarcas que nunca o foram nem o são a bem de Lisboa e dos seus habitantes.
Pedimos ainda à Câmara Municipal que se pronuncie sobre as questões seguintes e as explique: a venda de património e terrenos no Alto dos Moinhos, Benfica, Olaias, Palácio do Marquês de Tancos e Palácio na Calçada do Combro; a autorização de venda de terrenos da EPUL em Telheiras (sempre esta sacrossanta EPUL a aparecer onde não deve); o projecto imobiliário na antiga Quinta do Mineiro, com a passagem de 142 fogos, T3 e T4 inicialmente deferidos, para 459 fogos T0 e T1; a continuação do fracasso nas negociações e ajustamentos nas carreiras da Carris, com o Governo e a Administração da empresa, que resultou no desastre que se vê todos os dias em Lisboa; o caso das bibliotecas municipais que vão fechar num dia em que têm grande procura na Cidade, tudo para poupar em horas extraordinárias, numa visão cultural rasgada e de futuro garantido para a solução da enorme dívida da Câmara; uma notícia sobre eventual reunião de serviços da Câmara com interessados por causa do parque de estacionamento do Barão de Quintela, já depois de esta Assembleia ter votado por unanimidade um parecer que recomenda o seu abandono total; e, finalmente, que respostas mereceram e merecem as questões levantadas depois de visitas a 18 escolas de Lisboa, de vereadores, deputados municipais e eleitos do PCP nas freguesias, entre 10 de Outubro e 3 de Novembro; em recente sessão pública da Câmara, os vereadores do PCP apresentaram um requerimento que noticiava a degradação de instalações, a falta de manutenção e conservação periódicas, a falta de espaços apropriados, a falta de pessoal auxiliar, problemas relacionados com as actividades de enriquecimento curricular e a contratação de empresas para a formação de equipas de monitores; nesta área, o caso mais gritante prende-se com a empresa Clave de Soft, que contratou animadores de outras áreas artísticas para darem aulas de música, ao mesmo tempo que recomendava a tais monitores que nunca dissessem que não percebiam nada de música e que utilizassem um CD em situações mais delicadas e inultrapassáveis, nessa missão de enganar as crianças de 38 escolas de Lisboa.
Lamentamos que estas matérias do acompanhamento e enriquecimento educativo se tivessem transformado em anedotas caídas no domínio público, mas é assim a vida escolar de Lisboa, sob o comando directo do Vereador Sérgio Lipari (ia dizer “maestro”, mas fico por aqui).
Ah!, não fico ainda, nesta questão das escolas. Recebemos documentação da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola do 1º Ciclo nº33 e Jardim de Infância nº2 do Campo Grande, acerca da queda de uma criança do 1º andar da Escola e da falta de condições de segurança do edifício, documentação que contém o levantamento de necessidades e de medidas que foram colocadas à consideração da Câmara Municipal. Gostaríamos de saber quais as decisões que a Câmara tomou ou vai tomar.
E por aqui nos ficamos, por enquanto, que nunca se sabe nesta cidade onde 35.000 idosos vivem sozinhos, numa Lisboa que é a cidade mais envelhecida da Europa, mas que dá para fazer exposições-vendas de Natal, esse empreendedorismo que é a pedra de toque fatal do Vereador Sérgio Lipari, exposição e venda onde ele e o Senhor Presidente da Câmara Municipal passearam mais uma vez ao lado do Senhor Presidente do PSD, há dias atrás, assistindo silenciosos e comungantes a declarações sobre o que pareciam ser matérias altamente políticas e nacionais. A isto chegámos, numa repetição absurda de não saber quem é quem em actividades e inaugurações com a participação da Câmara Municipal. E mais não dizemos, que a intervenção já vai longa, é altura do Natal e dar as Boas Festas a todos, neste espírito amigável e bem-humorado de que precisamos para discutir o pouco que é feito e o muito que devia aparecer. E que tarda, tarda tanto, nesta Lisboa de outras eras e de visões futuristas e nunca realizadas, até um dia decisivo que há-de vir, para salvar Carmona Rodrigues desta embrulhada em que se meteu, de coligações que não eram e que desfazem e refazem a cada passo, e de situações mais pesadas de que não consegue sair.
Nesse dia redentor e tão necessário, poderá perder-se um mau Presidente da Câmara de Lisboa – isso já nós damos de barato. Não será o primeiro, nem será o último. Mas que ao menos não se perca um professor do Instituto Superior Técnico, local de onde V. Exa., pelas razões que são evidentes e públicas, nunca deveria ter saído.
Boa tarde e Bom Natal.
O Deputado Municipal do PCP
Modesto Navarro»
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