Friday, February 06, 2009

Gebalis

Gebalis deu obras de 2 milhões a 'amigos'
Paulo Paixão, Expresso, 30 de Janeiro de 2009

A empresa municipal que gere a habitação social em Lisboa atribuiu, no final de 2004, 16 empreitadas a uma construtora sem capacidade económica e financeira.
No mesmo dia em que técnicos da Gebalis desqualificaram a empresa num dado concurso, a administração ofereceu-lhes por ajuste directo um autêntico jackpot, para outras obras. A gestão da Gebalis está a ser investigada pela PJ.

Gebalis deu obras de 2,2 milhões euros
a uma empresa sem qualificações
Num mesmo dia, depois de um chumbo, uma firma de construção civil ganhou o jackpot

A administração da Gebalis, empresa municipal de Lisboa que gere a habitação social, atribuiu por ajuste directo, no final de 2004, empreitadas no valor de quase €2,2 milhões a uma construtora que técnicos da própria Gebalis haviam desqualificado por falta de capacidade económica e financeira.

A 27 de Outubro de 2004 foi assinado o "relatório de qualificação dos concorrentes" a um"concurso limitado", para instalação de dois elevadores no bairro das Furnas. A comissão de avaliação, composta por três quadros superiores da Gebalis - um membro do gabinete jurídico, outro do departamento financeiro e um terceiro da direcção de engenharia -, excluiu a A. & N. Lino - Reparação de Edifícios e Habitações. "O concorrente não se encontra apto financeira e economicamente para executar a presente obra, pelo que não passa à fase seguinte", lê-se na decisão.
O trabalho em questão ficava aquém de €125 mil.
Contudo, nesse mesmo dia, para o conselho de administração da Gebalis - empresa cuja gestão está a ser investigada pelas autoridades judiciárias -, a A. & N. Lino estava de boa saúde.
Àquela firma foram atribuídas cinco empreitadas, no valor global de ¤688 mil. Tratava-se de obras de conservação e reparação de áreas comuns de edifícios de vários lotes do Bairro dos Alfinetes, na freguesia de Marvila.
Menos de um mês depois, a 24 de Novembro (na reunião seguinte), o conselho de administração aprovou mais cinco deliberações, relativas a outras tantas empreitadas, para trabalhos no referido bairro. Com o mesmo beneficiário. No total, mais €692 mil.
E antes do Natal, a 20 de Dezembro de 2004, nova leva. Desta vez foram mais seis as empreitadas adjudicadas, ascendendo a quase €800 mil.
Alfinetes no palheiro
Assim, em menos de dois meses, a administração da Gebalis deu de mão beijada contratos no valor de €2.178.188,37 a uma empresa antes vetada por técnicos da Gebalis. Sempre com recurso ao fraccionamento das empreitadas (todas na casa dos €130 mil e €140 mil), o expediente habitualmente usado para fugir ao concurso público.
No Bairro dos Alfinetes, segundo confirmação feita junto de moradores, foram realizados trabalhos, como pintura do exterior dos edifícios e das escadas interiores. Azulejos que bordejavam as janelas foram retirados, vidros substituídos e novos estendais da roupa instalados. Nas escadas interiores são hoje visíveis manchas de humidade e bolhas na pintura, em parte devido à destruição de janelas.
O Expresso tentou contactar os administradores executivos da Gebalis no período em questão (Eduarda Rosa e João d'Aguiar), mas sem êxito. Na altura, a Câmara de Lisboa era presidida pelo PSD. Como as decisões foram tomadas directamente pelo conselho de administração, não foi instruído qualquer processo, com pareceres dos serviços. As actas das reuniões não referem qualquer fundamentação para a escolha da A. & N. Lino. Fica assim por saber se foram convidadas outras empresas.
Factos como os verificados no Bairro dos Alfinetes-segmentação dos contratos, para permitir um ajuste directo - são algumas das situações do funcionamento da Gebalis sob investigação da Polícia Judiciária.
Em dois processos foi já mesmo formulada a acusação (num são visados outros três antigos administradores). Subsiste pelo menos mais um processo, em que as autoridades tentam determinar se terá havido corrupção, administração danosa, abuso de poder ou peculato.

Uma trajectória fugidia
Do outro lado do negócio torna-se ainda mais difícil obter comentários.
A A. & N. Lino teve a sede em Xabregas, tendo sido declarada posteriormente a mudança para a Avenida João XXI. Em nenhum dos locais se detectou o paradeiro dos sócios. Mesmo junto de domicílios particulares tornou-se impossível o contacto.
Mais palpável é o facto de a empresa municipal ter sido providencial para a construtora. Em 2005, a A. & N. Lino teve vendas líquidas de €2,7 milhões, dos quais €2,575 milhões (sem IVA) facturados à Gebalis. Assim, esta significou cerca 95% das receitas totais da primeira.
Sem as remessas da Gebalis, os indicadores baixaram significativamente: €458 mil de vendas líquidas em 2006, contra apenas €171 mil em2007. Numa trajectória descendente, a A. & N. Lino suspendeu a actividade no final do ano passado.

Paulo Paixão

CONTAS CALADAS

16
Total de empreitadas atribuídas à A. & N. Lino, sempre num valor inferior a €150 mil, para fugir ao concurso público

95%
Peso aproximado da Gebalis nas vendas líquidas da A. & N. Lino, em 2005

2,178

Valor, em milhões de euros, do total das 16 empreitadas adjudicadas à A. & N. Lino

462
Montante, em milhares de euros, da facturação à Gebalis da Torres & Tavares em 2005 (empresa que declarou cessação do IVA em 2001)

€462 mil sem rasto de IVA

Uma empresa-fantasma, que cessou o IVA em 2001, facturou quase meio milhão anos depois. Um mistério com muitas pontas soltas
Uma construtora com sede em morada inexistente e que factura serviços no valor de €462.373 alguns anos após ter cessado o pagamento de IVA é uma hipótese que desafia a credulidade.
Mas aconteceu no universo empresarial nebuloso alimentado pela Gebalis.
Em 2005, a Torres & Tavares, Sociedade de Construções, Lda. cobrou vários trabalhos no Bairro 2 de Maio, à Ajuda. Algo normal, não fosse o caso de a base de dados das Finanças indicar que a empresa cessou o IVA em 28 de Dezembro de 2001.
Segundo esta indicação, a construtora teria terminado a actividade económica naquela data.
Poderia, no entanto, manter a existência legal, o que efectivamente aconteceu, pois em 2003 houve transmissões de quotas.

Àquele valor corresponde aproximadamente um IVA de €80 mil (em 2005 deu-se a subida da taxa de 19% para 21%). Um montante que nunca entrou nos cofres do Estado. A repartição de Finanças recusa dar informações, alegando o sigilo fiscal. O Ministério das Finanças tão pouco respondeu ao Expresso.
A Torres & Tavares foi paga por trabalhos de conservação, por ajuste directo. No Bairro 2 de Maio, com cerca de seis centenas e meia de fogos, foram pintados edifícios de vários lotes e reparados alguns telhados. Numa das facturas, de €73 mil, percebe-se bem a importância da Gebalis.
Tendo sido emitido em 29 de Julho, trata-se apenas do documento "n.º 008/05" - o que significa que a empresa apenas havia realizado sete trabalhos ao longo de sete meses.
A sede da Torres & Tavares está registada em Matosinhos, junto à Docapesca. Há pelo menos dois anos que a firma saiu do local.
Um elemento da empresa hoje a ocupar o espaço diz que continua a chegar correspondência para a construtora, entre a qual "cartas das Finanças".
Mais dificuldades ainda terão os CTT em fazer chegar o correio à morada, no Porto, que a Torres & Tavares inscreveu nas facturas passadas à Gebalis. A porta, o nº 230 (na rua Pêro de Alenquer, na Foz), pura e simplesmente não existe. A numeração, em prédios contíguos, passa do 220 para o 236.
P.P.

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