Friday, July 23, 2010

Ruben no Expresso

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Justiça - finalmente?

Ruben de Carvalho (www.expresso.pt)
0:00 Sexta feira, 23 de Julho de 2010
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Tardarão ainda seguramente alguns anos até que aquilo que, educadamente, designaremos por trapalhada do Parque Mayer esteja definitivamente resolvida. Mas quem a tem tido como sombrio pesadelo não pode deixar de se regozijar com a recente sentença que anulou o essencial do problema.
Parece inteiramente defensável que, concluído tudo isto, alguém se dê ao trabalho de passar a escrito e em linguagem acessível ao público todas as vicissitudes do que se configura como um dos maiores escândalos contemporâneos da sociedade portuguesa, na qual, desafortunadamente, eles nem sequer têm sido escassos. E isto não tanto para exclusivo registo histórico, mas essencialmente porque há lições a extrair.
Uma primeira é que, conformados com a ideia de que será ainda mais o tempo que exigirá que todos os homens sejam sérios e sensatos, para evitar tais situações a única forma de assegurar normalidade e seriedade na gestão urbana e dos solos é a planeamento urbano rigorosamente cumprido em todas as suas instâncias.
Não é aceitável que duas zonas da cidade com a dimensão, centralidade e importância do Parque e do antigo Mercado Geral de Gados/Feira Popular tenham chegado ao século XXI sem um plano de pormenor (o do Parque Mayer, finalmente elaborado, está na fase final do seu processamento). Existissem tais instrumentos e jamais teria sido possível esse puro e simples embuste de trocar os condicionados terrenos do Parque por um inconcebível valor de €1200 o metro quadrado, enquanto ao de Entrecampos se atribuiu o de cerca de €900, o que significa que a Bragaparques fez a espantosa permuta de receber 3m2 de terreno livre por cada 2 do Parque! Parque que adquirira por 10 milhões de euros e vendeu assim, após alguns anos, por cerca de 55 milhões de euros, um lucro líquido de uns 45 milhões!
Se os Planos de Pormenor existissem é evidente que as condicionantes e possibilidades de cada um dos terrenos estariam definidas e condicionariam racionalmente o seu valor - o que de resto deitaria completamente por terra o nebuloso negócio. O facto de a sentença em epígrafe ter igualmente anulado a inconcebível hasta pública que presenteou a Bragaparques com a outra metade do terreno de Entrecampos põe termo a episódios de todo o tipo que oscilam entre o puro cambão e o aparecimento de documentos (a famosa 'carta' do 'direito de preferência') que nem de duvidosos podem ser classificados. Para não recordar esse espantoso caso de uma escritura feita apressadamente em 24 horas... Ou o facto de, enquanto a CML ter arcado com milhões de euros de prejuízos para indemnizar os antigos feirantes mais os compromissos com a Colónia Balnear Infantil de "O Século", a Bragaparques ter continuado durante anos a extrair vultosos rendimentos do parqueamento no terreno do Parque Mayer que obrigatoriamente deveria ter libertado!
A segunda conclusão que parece indispensável extrair é a de que a memória faz muita falta. E, neste caso, a memória recordará aos lisboetas que todo o negócio agora anulado foi desenhado e aprovado na CML e na Assembleia Municipal de Lisboa pelos eleitos do PPD/PSD, do Partido Socialista, do CDS/PP e do Bloco de Esquerda sendo deveras esclarecedores e nada edificantes os insultos que dessas bancadas foram então dirigidos aos eleitos do PCP e de Os Verdes, os únicos que há meia década disseram que tudo era o que era, o levaram aos tribunais e os tribunais vêm hoje dizer que efetivamente era.
Texto publicado na edição do Expresso de17 de Julho de 2010

Monday, July 05, 2010

Documento da Plataforma de Monsanto

Agressões ao Parque Florestal de Monsanto

Como já foi referido no estudo sobre a biodiversidade o Parque Florestal de Monsanto foi criado com o conceito de Parqueway. Era um local onde poucas pessoas se deslocavam, fazendo-o principalmente de automóvel, parando neste ou naquele jardim e disso não passava muito. Hoje e tendo em conta as modificações da sociedade e do próprio parque a realidade é completamente distinta sendo este cada vez mais frequentado por milhares de visitantes que nele procuram a calma e a tranquilidade que não lhes é permitida no resto da cidade, o contacto com a natureza e uma fruição descontraída e informal do espaço. Poderíamos falar de tudo o que o Parque tem de bom, das suas potencialidades, mas foi-nos pedido que falássemos dos seus principais problemas. Assim faremos, o mais sucintamente possível.:

Campo de tiro
Nas comemorações do dia da Biodiversidade realizadas no espaço Monsanto grupos de crianças aprendiam, num espaço de eleição, como preservar e proteger a natureza. Ouviam técnicos da CML que lhes proporcionavam essa e outras aprendizagens. Travavam conhecimento com muitas coisas que no seu dia a dia apenas aprendem nos livros. Enriqueciam-se e eram alertadas para a urgente necessidade de preservação e de respeito por todos os seres vivos que connosco habitam o planeta.
Estas crianças que visitavam nesse dia essa zona foram, como tantas outras diariamente, recebidas por um ruído ensurdecedor e constante e por autênticas chuvadas de chumbo. Essas crianças, se procurassem um pouco, descobririam um solo completamente coberto de chumbo. São essas mesmas crianças que muitas vezes
questionam os mesmos técnicos da CML, são essas mesmas crianças que perguntam como é possível o técnico dizer o que diz e ali ao lado acontecer o que acontece.
Este é apenas um exemplo da incoerência que este equipamento hoje representa.
O campo de tiro é o maior paradoxo do PFM. Se por um lado a CML promove a preservação e a educação ambiental no espaço Monsanto e na sua zona vedada por outro permite e até promove a infracção e o total desrespeito pela natureza, pelos habitantes e pelos visitantes do parque. Se por um lado forma técnicos competentes por outro retira-lhes toda a credibilidade pois não é ela própria capaz de dar o exemplo fazendo cumprir o que ensina.
O Clube Português de tiro a chumbo encontra-se instalado em Monsanto desde 1963 e devido ao seu cada vez maior impacto negativo e a crescente contestação por parte da população viu a renovação do seu contrato de concessão denunciado em Agosto de 2007.
Todos os estudos apresentados por esta entidade foram consecutivamente chumbados pelos técnicos camarários que há muitos anos defendem a sua retirada do Parque.
Apesar da denúncia do contrato, dos impactos altamente negativos e do perigo que representa para os utilizadores do parque o campo de tiro continua a funcionar.
Transito
O PFM é diariamente atravessado por milhares de automobilistas que tentam fugir ao trânsito da Cidade. Sendo este cada vez mais utilizado por pedestres e ciclistas é urgente uma regulamentação adequada a esta realidade dentro do parque. Velocidade excessiva, falta de passadeiras, deficiente sinalização, falta de fiscalização são alguns dos problemas mais comuns nesta área que há muito necessita de atenção mas em que todos os executivos camarários têm tido um incompreensível medo de tocar.
A realidade do parque exige a tomada de mediadas urgentes.
REN
A instalação de uma nova sub-estação da REN em Monsanto representou mais uma diminuição significativa da área do parque que nenhuma compensação pode atenuar. Não foi sujeita a estudo de impacto ambiental, que apresentaria alternativas ou a estudos credíveis sobre os seus impactos. Representou uma total subserviência aos interesses desta empresa e do Governo e demonstrou uma total falta de poder de negociação e contestação da CML, comprometendo até, pela sua actuação, deliberações da própria no sentido de evitar a obra. Apenas teve, da sua parte, em conta a negociação de contrapartidas.
Foram pedidas explicações a esta obra por parte do Sr. Provedor de Justiça que manifestou na altura “reservas” á legalidade da obra. A Assembleia da República aprovou recentemente uma recomendação ao governo para que não permita a instalação da REN no Parque Florestal do Monsanto.
A obra segue a bom ritmo.

Panorâmico de Monsanto.
Tem a CML a intenção de transferir bombeiros e protecção civil para este restaurante há muito abandonado. O projecto inicial constituía um crime contra o parque devido á sua dimensão e aos impactos no arvoredo existente. Hoje o projecto foi reformulado e a Plataforma por Monsanto aguarda a consulta dos projectos e estudos actuais para se poder prenunciar sobre o assunto.
Ainda assim gostaríamos de assinalar o seguinte:
O abandono do restaurante panorâmico do Monsanto não pode ser resolvida criando um problema mais grave. Esta proposta destina-se apenas a mais uma vez utilizar terrenos do Monsanto a custo zero para actividades que não são compatíveis com a sua génese.
Aquele local é servido apenas por um acesso íngreme e estreito, numa via de um só sentido e partilhada com uma ciclovia. Estes acessos parecem-nos muito insuficientes para a realidade que se prevê e colocam muitas dúvidas quanto ao futuro da via que serve o actual restaurante prevendo a plataforma a inevitabilidade de no futuro esta ter de vir a ser alargada com todos os impactos dai consequentes.
Em caso de catástrofe todos os acesos á cidade são feitos por cima ou por baixo de viadutos. No caso de catástrofe natural, como um sismo é natural que todos esses viadutos ruam. Existe ainda o problema do caneiro de Alcântara que se tornará numa barreira enorme e intransponível para a cidade. Pela zona ribeirinha também, previsivelmente, não se poderá circular por isso pensamos ter pertinência a pergunta: Em caso de Sismo os bombeiros e a protecção civil saem por onde?

Manutenção
Recentemente numa campanha chamada “limpar Portugal” foram retirados, num só dia, de Monsanto, apenas por uma das brigadas presentes, mais de 3 toneladas de lixo e cerca de 200 pneus.
Estes números são surpreendentes e se demonstram a falta de civismo de muitos cidadãos demonstram também a incapacidade dos responsáveis para lidar com este problema. A manutenção do parque é deficiente e ineficiente na maioria do seu território e deveria, salvo raras excepções, ser feita por pessoal da câmara formado para essa actividade o que a tornaria muito mais eficiente e economica. Para além destes problemas de manutenção diária do parque outros surgiram no decorrer do ano que passou, como a limpeza de infestantes, necessária, mas que levantou muitas dúvidas relativamente ao seu método e execução.
Grandes Eventos
A insistência na realização de grandes eventos no parque, como a realização do festival Deltatejo, é altamente nociva para o mesmo. Milhares de pessoas ao mesmo tempo, obras pesadas que destroem o coberto vegetal, terraplanagens, movimento de grandes veículos pesados, redes que se erguem privando os utentes da usufruição do espaço, ruído excessivo para animais, residentes e visitantes, consequências irreparáveis na biodiversidade do parque. A sobreposição do interesse privado sobre o interesse público a troco de umas quantas e discutíveis compensações.
Uma iniciativa a que urge colocar um final.

Ex- Aquaparque
Problema que se arrasta há anos. Recentemente foi dada, em tribunal, razão a associação de moradores (AMBEX - Associação de Moradores de s. Francisco Xavier e Santa Maria de Belém) que integra a PPM e que há anos luta pela restituição deste espaço ao parque.
Esperamos que esta resolução sirva para ajudar a CML a resolver este problema.
Filosofia do Parque.
Cada vez mais o Parque é visto como um “banco de terrenos baratos” onde tudo se pode colocar. Não é respeitado nenhum plano e tudo se tenta lá colocar aleatoriamente.
São variadíssimos os exemplos disso e nos últimos tempos essa tendência tem vindo a agravar-se de forma alarmante. Este é o maior problema do parque, a falta de uma estratégia, de um plano que realmente o proteja de todas as constantes tentações de lá colocar tudo e mais alguma coisa, sem nexo.
É a falta deste plano que permite que muitos problemas de Monsanto subsistam e que regularmente apareçam novos, com que esta plataforma e toda a sociedade têm que
se preocupar pois o Parque Florestal de Monsanto, tem hoje, um valor enorme e uma importância fundamental para a qualidade de vida e para o equilíbrio ambiental não só de Lisboa mas de toda a sua área Metropolitana.
Plataforma por Monsanto
Maio 2010
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Carta para Josefa, minha Avó (de Saramago)

CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ



Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.
Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.

Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.

É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

Sunday, July 04, 2010

Ah, grande Quino - que nunca me enganaste!

OS VALORES DO SÉCULO XXI -  QUINO "INVENTOR" DA MAFALDA

Quino, Autor da "Mafalda", desiludido com o rumo deste século no que respeita a valores e educação, desenha estes sugestivos cartoon.