Tardarão ainda seguramente alguns anos até que aquilo que, educadamente, designaremos por trapalhada do Parque Mayer esteja definitivamente resolvida. Mas quem a tem tido como sombrio pesadelo não pode deixar de se regozijar com a recente sentença que anulou o essencial do problema.
Parece inteiramente defensável que, concluído tudo isto, alguém se dê ao trabalho de passar a escrito e em linguagem acessível ao público todas as vicissitudes do que se configura como um dos maiores escândalos contemporâneos da sociedade portuguesa, na qual, desafortunadamente, eles nem sequer têm sido escassos. E isto não tanto para exclusivo registo histórico, mas essencialmente porque há lições a extrair.
Uma primeira é que, conformados com a ideia de que será ainda mais o tempo que exigirá que todos os homens sejam sérios e sensatos, para evitar tais situações a única forma de assegurar normalidade e seriedade na gestão urbana e dos solos é a planeamento urbano rigorosamente cumprido em todas as suas instâncias.
Não é aceitável que duas zonas da cidade com a dimensão, centralidade e importância do Parque e do antigo Mercado Geral de Gados/Feira Popular tenham chegado ao século XXI sem um plano de pormenor (o do Parque Mayer, finalmente elaborado, está na fase final do seu processamento). Existissem tais instrumentos e jamais teria sido possível esse puro e simples embuste de trocar os condicionados terrenos do Parque por um inconcebível valor de €1200 o metro quadrado, enquanto ao de Entrecampos se atribuiu o de cerca de €900, o que significa que a Bragaparques fez a espantosa permuta de receber 3m2 de terreno livre por cada 2 do Parque! Parque que adquirira por 10 milhões de euros e vendeu assim, após alguns anos, por cerca de 55 milhões de euros, um lucro líquido de uns 45 milhões!
Se os Planos de Pormenor existissem é evidente que as condicionantes e possibilidades de cada um dos terrenos estariam definidas e condicionariam racionalmente o seu valor - o que de resto deitaria completamente por terra o nebuloso negócio. O facto de a sentença em epígrafe ter igualmente anulado a inconcebível hasta pública que presenteou a Bragaparques com a outra metade do terreno de Entrecampos põe termo a episódios de todo o tipo que oscilam entre o puro cambão e o aparecimento de documentos (a famosa 'carta' do 'direito de preferência') que nem de duvidosos podem ser classificados. Para não recordar esse espantoso caso de uma escritura feita apressadamente em 24 horas... Ou o facto de, enquanto a CML ter arcado com milhões de euros de prejuízos para indemnizar os antigos feirantes mais os compromissos com a Colónia Balnear Infantil de "O Século", a Bragaparques ter continuado durante anos a extrair vultosos rendimentos do parqueamento no terreno do Parque Mayer que obrigatoriamente deveria ter libertado!
A segunda conclusão que parece indispensável extrair é a de que a memória faz muita falta. E, neste caso, a memória recordará aos lisboetas que todo o negócio agora anulado foi desenhado e aprovado na CML e na Assembleia Municipal de Lisboa pelos eleitos do PPD/PSD, do Partido Socialista, do CDS/PP e do Bloco de Esquerda sendo deveras esclarecedores e nada edificantes os insultos que dessas bancadas foram então dirigidos aos eleitos do PCP e de Os Verdes, os únicos que há meia década disseram que tudo era o que era, o levaram aos tribunais e os tribunais vêm hoje dizer que efetivamente era.
Texto publicado na edição do Expresso de17 de Julho de 2010
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