Público, 30.12.2007
Feliciano David (1)
A grave situação financeira da Câmara Municipal de Lisboa exigia terapêutica adequada, com recurso ao crédito e a algumas das medidas anunciadas. Mas outras roçam a demagogia.António Costa começou por recuperar o discurso da tanga e transformar a crise numa tragédia grega a fim de, no final do mandato, surgir como o homem providencial que tirou Lisboa do pântano, colhendo daí dividendos políticos. E transpôs do Governo a obsessão do défice, emagrecendo o orçamento em 32 por cento.Mas se os anteriores orçamentos de 800 milhões de euros eram megalómanos e irrealistas, tendo afectado a saúde do município, a terapia de choque do dr. A. Costa, ao prescrever uma sobredosagem de medicação, não foi a melhor. Havia outras alternativas sem sacrificar ainda mais os lisboetas com pesados impostos e atrasar o desenvolvimento de Lisboa. O presidente diz que o orçamento se baseou numa "estimativa realista da receita". Pelo contrário, a sua redução para 546 milhões só se explica por motivos políticos, porque desde há anos que as receitas estruturais do município excedem este montante. Em 2007 os impostos, as taxas e tarifas aumentaram bastante, atingindo o valor máximo de sempre e em 2008 subirão, certamente, ainda mais.Este orçamento é, por isso, pouco credível e fictício. Mas é também opaco e enganador, porque não integrou o processo de empréstimo e as dívidas de 360 milhões de euros aos fornecedores, que nele terão de ser acrescentadas. Assim, é um orçamento provisório, pois, após a obrigatória revisão orçamental, crescerá para 906 milhões de euros.Este facto, que foi silenciado pelo dr. António Costa, permitiu ao autarca dizer que diminuiu o orçamento em 32 por cento, iludindo, desse modo, a opinião pública.A redução para metade do plano de actividades é também excessiva e visa fins políticos, porque o seu financiamento podia ter sido maior, devido ao grande crescimento do saldo estrutural e ao facto de este ano já terem sido pagas todas as dívidas a fornecedores inferiores a dez mil euros (num total de 60 milhões de euros). Tal como o orçamento, este plano de actividades é igualmente provisório, pois terá um acréscimo apreciável quando a receita do empréstimo a ele for acrescentada. Entretanto, o presidente promete que vai fazer "pequenas grandes coisas". É um eufemismo. Na realidade, vai limitar-se à gestão corrente da câmara, dada a enorme quebra nas dotações, que obrigará a diminuir drasticamente a sua actividade.Uma coisa é certa: Lisboa continuará parada. E a câmara, ao reduzir o plano de actividades e ao definir metas tão baixas, facilmente alcançáveis, fê-lo intencionalmente. Assegurou assim, à partida, que estes objectivos serão largamente ultrapassados, ficando garantida uma alta taxa de execução, muito próxima dos 100 por cento, para deste facto tirar ilações políticas.
(1)
Deputado municipal do PCP
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